Pensar é algo que esperamos que os alunos façam automáticamente? Além de todo o conteúdo, quais habilidades de raciocínio teríamos que ensinar? Será preciso tirar tempo precioso para fazer isso? Na verdade nos acostumamos com o ritmo acelerado em tudo, inclusive no ensino-aprendizado: uma correria para cobrir conteúdo e pouco tempo para de fato para e pensar. Mesmo quando estamos propondo atividades para os estudantes precisamos ter cuidado para não nos preocuparmos mais com o resultado ou resposta certa do que com o processo de pensar.
A ciência da aprendizagem nos mostra o papel central do pensar como forma de reconfigurar estruturas mentais antigas para incluir novas informações. Sem o pensamento que envolve esforço cognitivo, as novas informações se perdem rapidamente na memória porque não se conectam de forma significativa, ou então as novas informações podem se conectar de forma errônea se não houver o esforço para pensar criteriosamente. A metacognição tem um papel fundamental neste processo, que é o pensar sobre o próprio pensamento. Ou seja, examinar mais cautelosamente o que estamos pensando e avaliar se estamos na direção correta.
Por isso, rotinas que nos ajudam a pensar são úteis para nos forçar a considerar possibilidades, examinar o nosso pensamento, considerar perspectivas, e muito mais. Rotinas são úteis porque se tornam um hábito e tornam o pensar mais fluido e natural. Rotinas para pensar são úteis para todo tipo de estudante, incluindo atividades na formação de professores.
Rotinas para Pensar
Uma forma muito particular e eficiente de ajudar nosso estudantes a pensar pode ser através de “rotinas de pensamento”. Rotinas para pensar precisam se tornar isso mesmo, rotinas. Elas precisam fazer parte do planejamento das atividades, porque pensar se aprende passo a passo, em contexto. Não é preciso, nem aconselhável, parar tudo para “ensinar a pensar”. Portanto, em vez de apenas pedir aos alunos para resolver um problema, fazerem uma pesquisa, oferecerem uma resposta, é preciso pedir aos alunos para também fazer uma reflexão, um julgamento, uma análise, um esforço de memória. Isso tudo pode ser feito de inúmeras maneiras.
Para nossa sorte existe o “Project Zero’s Thinking Routines” (“Rotinas do Pensamento”), que são o resultado de anos de pesquisas na Universidade de Harvard (veja em http://www.pz.harvard.edu/thinking-routines) . Muitos já conhecem, mas para quem não conhece, essas “rotinas” são pequenos padrões de pensamento adaptáveis a qualquer conteúdo e desenhados para ajudar os alunos a pensar. Como são “rotinas”, a idéia é repeti-las até que se tornem mais fácies de aplicar com o tempo. Cada professor(a) ou tópico pode escolher as rotinas que mais se adequam ao seu conteúdo. Para isso é possível consultar inúmeras opções dentro das categorias:
- Rotinas fundamentais
- Introduzindo e explorando idéias
- Entrando mais fundo nas idéias
- Sintetizando e organizando idéias
- Investigando objetos e sistemas
- Explorando perspectivas
- Considerando controvérsias, dilemas e perspectivas
- Gerando possibilidades e analogias
- Explorando arte, imagens e objetos
- Pensamento global
Vamos ver alguns exemplos conhecidos de rotinas de pensamento.
Fato ou Ficção
Esta rotina do pensamento é eterna mas particularmente apropriada para o que estamos vivendo. A idéia é evitar aceitação de uma informação pelo seu valor aparente, dessa forma, a rotina foi criada para explorar a complexidade da verdade. Esta rotina está dentro de um grupo de rotinas para “aprofundar idéias”.
Uma sequência de perguntas específicas fazem parte da rotina:
- O que você achaque está sendo transmitido nesta informação?
- Quem poderia ter decidido transmitir essa mensagem ? Porque ?
- De que outra maneira isso pode ser interpretado ?
- O que você acredita ser verdadeiro nisso ? O que faz você dizer isso ?
Essa é a “rotina”, ou seja, a sequência de pensamento pesquisada pelo Project Zero, para ser executada todas as vezes nesta mesma sequência para se tornar um hábito. No entanto, nada impede que outros questionamentos venham a tona, para apoiar estar perguntas principais: existem evidências ? Isso se encaixa no que eu já sei ? Também podem ocorrer discussões sobre o que achamos ser razoavelmente verdadeiro hoje, pode não ser amanhã, por conta de novas descobertas científicas ou novos fatos.
Conversa com Giz
Fazer perguntas para a classe e esperar respostas em voz alta ? Pedir que os alunos respondam uma série de perguntas individualmente ? Pedir que os alunos respondam uma série de perguntas em grupo ? O Project Zero de Harvard oferece uma outra alternativa que permite uma “conversa em silêncio”, facilitando a participação de alunos que normalmente não participam, além de favorecer a visibilidade de idéias de toda a classe. Esta rotina do pensamento é chamada de “Conversa com Giz”.
Na “Conversa com Giz”, diversas perguntas, idéias ou problemas, são colocados um em cada pedaço de papel ( bem grande), que podem ficar presos nas paredes ou em cima de mesas. Junto a eles são colocados post-its e/ou canetas coloridas. O mesmo tempo que seria gasto fazendo perguntas e esperando respostas, ou esperando os alunos completarem uma atividade, é gasto permitindo que os alunos circulem por estes pedaços de papel com as seguinte proposta:
- Que idéias vêm à sua cabeça quando você considera esta idéia, pergunta ou problema ?
- Que conexões você pode fazer com as respostas de seus colegas ?
- Que perguntas surgem quando você pensa sobre estas idéias e considera as respostas e comentários dos colegas ?
Cada aluno deve portanto colaborar com uma idéia, uma conexão e uma pergunta, utilizando cores diferentes de post-it ou canetas. O professor(a) age como facilitador, dando exemplos provocando respostas. Ao final da atividade, diferentes grupos podem ler as respostas de um papel específico e compartilhar com a classe.
Dessa forma saímos do tradicional “apenas os mesmos alunos respondem” para uma conversa democrática onde todos participam e colaboram, além de gerar um resultado mais rico de reflexão e raciocínio.
Palavra, Frase, Trecho
Esperar que os alunos leiam um texto em casa ? Na sala de aula ? Esperar que os alunos absorvam a leitura, tomem notas eficientes? Esperar que alguns alunos levantem a mão para fazer perguntas sobre o texto ? O Project Zero de Harvard tem uma rotina de pensamento chamada “Palavra, Frase, Trecho” que ajuda os alunos a extrair sentido de um texto, capturando sua essência. Os alunos podem ler na classe, se o texto for pequeno, ou ler em casa e trazer marcado o seguinte:
- Uma PALAVRA que chamou sua atenção como significativa.
- Uma FRASE que provocou sua reflexão.
- Um TRECHO que foi significativo para você, que parece capturar a idéia central do texto.
Note que a palavra, frase e trecho sublinhados precisam ser significativos para o aluno leitor, porque não existem palavras, frases e trechos certos ou errados. Depois disso, os alunos são colocados em grupo onde cada um compartilha a sua palavra e explica porque foi significativa. Depois cada aluno compartilha e explica a frase e por fim cada um compartilha e explica o trecho. Tudo isso acontece para que ao final, o grupo anote:
- Quais temas emergiram?
- Que implicações ou previsões podem ser feitas ?
- Houve algum aspecto do texto que não foi capturado ?
A discussão final é o centro desta rotina do pensamento, porque representa uma aprendizagem efetivamente colaborativa. Esta é portanto uma forma ativa e efetiva de engajar os alunos em leitura e promover compreensão do texto.
Gerar, Conectar, Organizar, Expandir
Fazer perguntas aos alunos e esperar a resposta certa ou permitir uma geração livre de idéias ? Oferecer a interpretação das informações ou permitir que os alunos façam conexões por si mesmos ? Oferecer novas informações ou permitir que os alunos tragam o seu conhecimento prévio ?
Em uma educação que se diz centrada no aluno, em um ensino que se diz ativo, é fundamental abrir essa caixa preta que é a cabeça do aluno(a) e trazê-la à tona, para daí sim ensinar e oferecer feedback. Esta rotina do pensamento do Project Zero Harvard, é uma ferramenta valiosa em um processo formativo. Ela é uma versão dos “mapas mentais” transformada em uma rotina para pensar sobre um tópico específico:
- GERAR uma lista de idéias que vêm à mente ao pensar neste tópico.
- ORGANIZAR as idéias posicionando mais perto ou mais longe da idéia principal ( idéias mais centrais perto do centro e mais tangenciais mais longe do centro).
- CONECTAR as idéias desenhando linhas entre aquelas que têm algo em comum (adicionando uma frase sobre como elas estão conectadas).
- EXPANDIR a partir das idéias já colocadas, adicionando movas idéias que entendem o pensamento.
Esta rotina (que por sinal eu sou fã de carteirinha) , pode ser feita com post-its em uma parede, quadro ou papel grande, ou pode ser feita com alguma tecnologia (o que requer um pouco de destreza). Ela é muito útil como pré-avaliação, para entender o que os alunos já sabem sobre um assunto. Ela também é útil como avaliação formativa durante a unidade de estudo, para entender o que os alunos estão lembrando e como estão conectando as informações.
Mapas individuais podem gerar um mapa da classe, e podem ser construídos progressivamente ao longo de diversas aulas. No final, os alunos podem tirar uma foto do mapa e guardar como referência. Um mapa da classe pode ser muito útil como orientação de estudo (minha sugestão).
Pense, Encontre um Par, Compartilhe
Nada melhor do que outro ser humano ouvindo o que estamos pensando, mesmo sendo um coleguinha na sala da pré-escola. Ao falar, organizamos o nosso pensamento e nos escutamos, ouvimos outras perspectivas para ampliar o nosso pensamento, além de receber feedback de quem está ouvindo – nem que seja através do olhar com jeito de dúvida ou aceitação. Precisamos deixar de achar que apenas (a) professor(a) pode ouvir com atenção e critério, mas devemos saber que escuta ativa também é uma habilidade a ser ensinada.
Esta rotina de pensamento é a base da aprendizagem entre pares e pode ser feita de forma muito simples como pedir para o estudante se voltar para o(a) colega ao lado e compartilhar o seu pensamento, com base em uma pergunta ou proposta do(a) professor(a). Primeiro um estudante fala e outro exerce a escuta ativa. É preciso ensinar que escuta ativa significa escutar com atenção, fazer perguntas esclarecedoras e depois reproduzir o que o(a) colega falou, parafraseando para conferir a compreensão. Quem escutou troca de lugar e compartilha o seu pensamento, enquanto o(a) colega exerce a escuta ativa.
Esta rotina pode ser utilizada em inúmeras situações, como no final de uma aula, antes de uma atividade para ajudar a processar a compreensão, no meio da resolução de um problema, após uma leitura, etc.
Eu Observo, Eu Penso, Eu Imagino
Esta rotina de pensamento apoia a observação cuidadosa e a interpretação criteriosa, estimulando a curiosidade. Pode ser utilizada para despertar interesse e preparar o cérebro para um projeto de pesquisa, para observar e interpretar um objeto de arte, vídeo, gráfico ou qualquer objeto. Pode-se escolher um objeto relacionado a um tópico e utilizar esta rotina como forma de estender a compreensão em um tópico de estudo.
O desafio desta rotina é primeiro pedir que os estudantes apenas descrevam o que estão vendo, de forma objetiva. É preciso dar tempo para a observação e a descrição. Em um segundo momento os estudantes devem descrever o que eles pensam a respeita do que foi observado, relacionando o seu pensamento a evidências presentes no objeto – e não à pensamentos aleatórios. É um grande exercício de metacognição. E finalmente pedir para os estudantes colocarem perguntas que surgem a partir desta observação.
Vale documentar as respostas para que todo o grupo acompanhe, ajudando na observação e no processo metacognitivo.
Eu Pensava, Agora Eu Penso
Esta rotina de pensamento é utilizada quando alguma atividade faz provocações à crenças, compreensões, pré-conceitos, ou estimula pensar fora da caixa. É importante ajudar os estudantes a identificar suas ideias originais, apontando talvez alguns pontos para serem considerados. Vale até pedir para os estudantes fazerem algumas anotações antes da atividade sobre os principais pontos a serem considerados.
Após a atividades, os estudantes refletem sobre como as ideias originais foram modificadas (ou não…) e como. Este processo de reflexão ajuda a consolidar a aprendizagem, reafirmando as modificações que o cérebro faz para reorganizar as estruturas mentais antigas em face de novas ideias, experiências e informações.