Hoje em dia ouvimos falar sobre a “autonomia” do estudante, ou estudante como protagonista da própria aprendizagem. Mas será que autonomia significa apenas fazer escolhas? Será que autonomia significa uma sala de aula sem aquele “mar de mãos levantadas”? Ou o que pode significar todo aquele silêncio sem perguntas?
Na verdade autonomia é bem mais do que fazer escolhas e tanto perguntas em excesso como falta de perguntas pode indicar falta de autonomia. Como educadores de metodologias ativas, desejamos estudantes que sejam participantes de qualidade e que contribuam para a construção do conhecimento pessoal e coletivo. Na última newsletter discuti a falta de preparo de muitos estudantes para uma aprendizagem realmente ativa e como podemos ultrapassar este desafio e começar uma mudança em direção à metodologias ativas. Nesta newsletter apresento algumas estratégias para estimular a autonomia dos estudantes, apoiadas em um planejamento intencional.
Mas o que é autonomia?
Autonomia é diferente de apenas fazer escolhas, porque a autonomia envolve “consciência sobre seus objetivos e estratégia de ação”, conforme define a nossa Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O estudante que desenvolve autonomia faz escolhas, mas estas escolhas são embasadas em uma compreensão do objetivo final de aprendizagem, uma capacidade de avaliar o estágio atual de aprendizagem e uma capacidade de definir estratégias para atingir o objetivo a partir do estágio atual. É claro que para chegar nesta autonomia ideal existe um caminho a ser percorrido um passo de cada vez.
O caminho da autonomia é portanto oposto ao caminho tradicional do estudante que espera instruções, pergunta repetidamente o que precisa ser feito, e sente insegurança sobre o objetivo do ensino. Autonomia é um valor fundamental da aprendizagem ao longo da vida – “lifelong learning”, e uma competência que precisamos desenvolver em nossos estudantes como parte das metodologias ativas. O estudante autônomo aprende aos poucos como se autorregular no processo de aprendizagem, conectando interesses pessoais e conhecimento prévio à experiências de aprendizagem, participando de aprendizagem colaborativa, sendo proativo(a) na busca e avaliação de informações, e monitorando sua prontidão e estratégias de aprendizagem.
A seguir você irá encontrar 7 estratégias para ajudar os estudantes no desenvolvimento de sua autonomia, lembrando sempre que este é um processo passo a passo. No último item desta newsletter eu relembro a importância do planejamento intencional para que a autonomia do estudante seja feita em uma base eficaz.
ACESSE A INSTRUÇÃO GRAVADA
Você já pensou em gravar suas instruções e disponibilizar na sala de aula para que os alunos possam tocar, pausar, voltar, escutar outra vez?
Principalmente para alunos que tem mais dificuldade com instruções escritas, ou são mais dispersivos com instruções ao vivo (quantos não são, não é?), vale ter uma estação na sala de aula ou a gravação postada na plataforma online da classe.
Você deve estar pensando: mas eu não tenho tempo pra isso, não gosto da minha voz, e tudo mais. Essa gravação pode ser feita de forma muito rápida e fácil, e a gravação pode ficar privada para ser ouvida apenas pelos seus alunos. Um aplicativo como o SoundCloud pode ser instalado no celular, você grava e fica salvo direto na nuvem. Você pode ler suas instruções e adicionar alguns detalhes a mais.
Pode apostar que os alunos se acostumam com instruções gravadas e aprendem a buscá-las. Mas como toda mudança de cultura deve começar devagar, vale explicar o para quê: para garantir independência e o ritmo de cada um.
COMPARTILHE CONHECIMENTO
Você já pensou em pedir para seus alunos ensinarem no seu lugar? Por exemplo explicar uma resolução de problema, uma construção de texto, ou construção de argumento histórico?
Vou dar o exemplo da matemática, mas a idéia serve para qualquer matéria. Vamos supor que você deu uma aula sobre um conceito novo, e depois você iria resolver na lousa vários tipos de problemas, explicando cada caso. Em vez de você mesmo(a) explicar, divida a classe em grupos, sendo que cada grupo vai criar um video explicativo de um tipo diferente de problema.
Coloque a proposta do video tutorial nos seguintes termos: “Vocês vão criar um video tutorial para seus colegas, alertando sobre os possíveis erros, e dando dicas sobre como resolver.” Essa abordagem coloca uma responsabilidade em relação aos colegas que engaja os alunos na atividade.
Você fica então liberado(a) para circular na sala e ajudar cada grupo (ou par) a resolver os problemas. Estes se tornam os grupos especialistas. Os video tutoriais são disponibilizados online para resolver dúvidas durante a resolução de toda a lista de exercícios pelo resto da classe.
A criação de conteúdo ou tutorias pelos alunos é um recurso poderoso de autonomia, favorece o esforço cognitivo necessário para aprender e libera você para ajudar quem mais precisa.
PERGUNTE A TRÊS DEPOIS A MIM
Quer acostumar seus alunos a “se virar” antes de recorrer a você professor(a)? Esta estratégia vem do inglês “Ask Three Then Me”. Você pode fazer variações, mas basicamente significa: combine com seus alunos que eles devem recorrer a 3 recursos antes de perguntar para você.
Eu acho particularmente importante que o primeiro recurso seja o próprio aluno, auxiliado por instruções ou outros materiais. Ou seja, o aluno deve aprender a pausar, respirar e se perguntar como pode resolver essa dúvida. O aluno pode também recorrer a instruções escritas que você deixa à disposição, e posters na sala com um resumo das principais idéias e conceitos das aulas. Depois perguntar aos colegas a seu lado. E por fim perguntar a você, se for necessário.
Você deve estar pensando: mas que bagunça isso vai gerar na minha sala de aula!! Realmente, você vai ter que acostumar os alunos aos poucos. No começo testar essa opção em algumas situações, reforçar que você não vai responder de imediato. Perguntar aos alunos o que eles já tentaram. Consistência é fundamental.
VIRE-SE E COMPARTILHE
Uma forma de aprender entre pares estimulando a autonomia dos estudantes é através da rotina de pensamento: pensar, encontrar um par, compartilhar (veja Project Zero Harvard). É uma rotina a princípio muito simples, focada em ajudar a compreensão através de um pensar alto. Um ponto importante da rotina é a pergunta que o(a) professor(a) faz aos estudantes como ponto de partida e os minutos para pensar individualmente antes de compartilhar. Outro ponto importante é a documentação (por escrito, por exemplo) deste pensamento, antes e/ou depois de compartilhar com o(a) colega. Todos estes pequenos passos ajudam o cérebro a processar ideias e informações.
Esta é uma rotina que pode ser utilizada com certa frequência desde que se tenha a consciência de que o objetivo é ajudar o processamento no cérebro. É importante ter consciência de quais elementos do conhecimento requerem maior elaboração mental, com uma pausa para digerir o que foi lido, assistido, ouvido, etc. Temos a tendência de transmitir conhecimento sem pausas para o(a) ouvinte aprendiz, ou com pausas do tipo “vocês têm alguma pergunta?”. É mais eficaz pensar nas necessidades do cérebro dos(as) alunos(as) e oferecer estas pausas como parte do processo de ensino-aprendizagem: com uma pergunta, tempo para pensar, troca entre pares, e documentação do que foi pensado. Tudo isso junto vai solidificando a aprendizagem, não apenas em termos de memória mas principalmente em termos de compreensão. Depois destes momentos de compartilhar, aí sim talvez os(as) alunos(as) tenham boas perguntas.
OFEREÇA E RECEBA FEEDBACK
O feedback entre pares permite que os estudantes recebam muito mais feedback durante o processo formativo do que se o feedback fosse dado apenas pelo(a) professor. Este tipo de feedback é bastante eficaz se for baseado em um objetivo de aprendizagem claro com critérios (e exemplos) do que significa ter sucesso neste objetivo.
Para que os estudantes consigam oferecer feedback é preciso que o(a) professor(a) primeiro demonstre o que é um feedback eficaz: específico, gentil e útil. Para isso, professores precisam aprender e treinar este tipo de feedback, evitando julgamentos de valor e afirmações genéricas que não orientam sobre os próximos passos da aprendizagem.
Portanto, se o(a) professor(a) apresenta um objetivo de aprendizagem claro aos(às) alunos(as), fica mais fácil para todos saberem onde estão no caminho para o sucesso neste objetivo. Melhor ainda quando o(a) professor(a) apresenta os critérios para esse sucesso, com base em exemplos. Assim fica mais fácil para os(as) alunos(as) discutirem entre si estes exemplos e a partir daí oferecer feedback aos colegas. O(a) professor(a) deve orientar o feedback entre pares para um critério de qualidade de cada vez. Assim é mais fácil para os(as) alunos(as) utilizarem o feedback para melhorar. Quando muito feedback em muitas direções é oferecido de uma só vez, o recipiente fica confuso(a).
Portanto não basta pedir aos(às) alunos(as) para oferecer feedback se estes não sabem com clareza quais as expectativas para o resultado final. Um pouco de planejamento sobre o objetivo de aprendizagem e seus critérios de sucesso, gera um grande benefício que é um alívio da carga do(a) professor(a) como único(a) provedor(a) de feedback e também ganhos de aprendizagem segundo pesquisas educacionais.
PLANEJAMENTO para oferecer CLAREZA e apoiar AUTONOMIA
O ensino tradicional sempre sofreu de um “déficit” de clareza, oferecendo excesso de conteúdo e tópicos como “objetivos”. Neste universo tradicional, os estudantes precisavam muitas vezes “adivinhar” o que era mais importante. Mas até mesmo na aprendizagem informal e corporativa, já soube de relatos sobre a dificuldade em definir o próprio objetivo e o para quê de aprender.
Ainda temos um caminho pela frente para definir objetivos de aprendizagem claros e focados em ideias essenciais que ajudam o cérebro a aprender. Por isso, quando planejamos o ensino a partir de um objetivo claro, fica mais fácil apoiar os estudantes em sua autonomia, que na verdade é uma responsabilidade pessoal pela própria aprendizagem.
Quando professor(a) e estudantes têm clareza sobre onde estão indo, a chance da aprendizagem ser bem-sucedida é significativamente maior. Isso acontece porque todos os esforços se direcionam para este objetivo.
A autonomia do estudante libera o(a) professor(a) para mediar de fato a aprendizagem, orientando o estudante em seu processo. A autonomia do estudante traz mais responsabilidade para o processo de aprender, o que torna este processo mais eficiente e mais significativo.
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REFERÊNCIAS:
BNCC, “O uso de metodologias ativas colaborativas e a formação de competências”. <http://tinyurl.com/2xdry89e>. Acesso Jan 2024.