Uma resistência à Sala de Aula Invertida, quando o aluno(a) não se engaja com materiais oferecidos “antes” das aulas, pode acabar sendo reforçada. Isso porque, ao notar a deficiência, o professor tende a tomar tempo da aula para explicar o que deveria ter sido estudado em casa.
Não assuma que seus alunos sabem como aproveitar uma Sala de Aula Invertida, não importa a idade. Quanto mais velhos maior a complexidade dos temas, e portanto mais complexo o engajamento com os materiais. Saber se engajar em uma Sala de Aula Invertida leva algum tempo, e depende também da confiança dos alunos no processo.
A pergunta que o aluno(a) tem na cabeça é: Será que vou me beneficiar deste estudo antes da aula e como? Sendo assim, você como professor(a) precisa desenvolver uma “cultura” de Sala de Aula Invertida, que funcione para os seus alunos e a sua matéria. Por cultura eu quero dizer uma série de abordagens e hábitos que se desenvolvem e acabam fazendo parte da maneira de aprender naquela aula.
Veja a seguir alguns princípios básicos que vão te ajudar a desenvolver essa “cultura” de Sala de Aula Invertida e redefinir a dinâmica das suas aulas.
1. O objetivo de aprendizagem vem primeiro
Pesquisas já demonstraram que existe um aproveitamento muito maior da aprendizagem quando os alunos têm clareza sobre o objetivo do tópico em estudo. E isso vale principalmente para o tipo de estudo autônomo requerido em uma Sala de Aula Invertida. Hattie, em sua meta análise, indicou “clareza do professor” como uma das grandes influências na aprendizagem. Tendo um objetivo de aprendizagem claro, o aluno se engaja no material “pré-aula”com muito mais foco ( veja exemplo usando o Edpuzzle).
Com isso não quero dizer que o professor não tenha clareza. Como especialista, é natural que o professor tenha “implícito” as relações complexas de sua matéria. Mas segundo a “maldição do conhecimento“, o desafio é tornar essas relações “explícitas” para os alunos, no seu passo a passo.
Hoje com a BNCC estamos mais bem posicionados para compartilhar com os alunos objetivos de aprendizagem claros, pelo menos até o Ensino Médio. Veja aqui um exemplo de objetivo de aprendizagem específico, em linguagem acessível ao aluno, criado a partir da BNCC.
2. É necessário ser um modelo para os seus alunos … no início
Como professor(a) você vai precisar parar e pensar: dentro do objetivo de aprendizagem desta unidade de estudo, qual é o foco deste material que estou oferecendo antes da aula? Isso pode parecer óbvio porque como especialista, você naturalmente percebe todas as conexões e elimina informações desnecessárias. Mas muitos alunos provavelmente não irão fazer isso.
Nesse seu processo de reflexão, você vai encontrar o passo a passo para abrir a “caixa preta” do seu raciocínio automático e se tornar um modelo para os alunos mostrando como você pensa.
Seja um modelo de foco:
A idéia de “think aloud”, ou pensar alto, é muito utilizada para mostrar aos alunos como o professor pensa. O pensar alto vai além de propor uma pergunta para focar o aluno no material disponibilizado antes da aula: mostra como o professor escolhe elementos do material para responder a pergunta e porquê faz essa escolha, além de mostrar o raciocínio para responder de forma completa.
Isso é feito algumas vezes, com alguns exemplos. A idéia é que os alunos discutam esse processo, argumentem sobre o benefício do material para a aula, e internalizem esse hábito.
Seja um modelo de como pesquisar o que não sabe:
A pesquisa rápida é uma habilidade importante para entender termos desconhecidos e assim compreender o texto. Decidir o quê pesquisar também é importante, para não se desviar para muitas direções. Isso é difícil para alunos mais novos e também para mais velhos e adultos, conforme aumenta a complexidade dos temas.
O pensar alto continua com o professor sendo um modelo de decisões sobre o quê pesquisar ao se deparar com o material, como pesquisar e também como anotar para trazer à sala de aula. Essa é a aprendizagem autônoma que queremos incentivar.
Seja um modelo de como elaborar perguntas:
A habilidade de formular perguntas é uma parte crucial do pensamento crítico. O professor deve se colocar no ponto de vista do aluno e falar alto enquanto simula questionamentos que surjem a partir do material pré-aula.
Nesse processo, o professor demonstra curiosidade em um nível mais elevado, mostrando aos alunos quais elementos do material pré-aula deram origem a tais perguntas. Mostra também como anotar as perguntas para levar à discussão na sala de aula.
3. A liberação do controle deve ser gradual
O professor(a) deve exercer seu julgamento profissional e observação dos alunos para decidir com que rapidez liberar os alunos para serem totalmente autônomos e responsáveis na dinâmica da Sala de Aula Invertida. Mas existe uma regra que ajuda bastante neste processo de liberação gradual de controle: Eu faço, Nós fazemos, Você faz.
Na etapa “eu faço”, o professor serve como modelo e abre para os alunos discutirem esse processo. Na etapa “nós fazemos”, o professor possibilita um trabalho em parceria, entre pares ou com bastante estruturação do professor. Assim o aluno(a) pode praticar e ter um certo nível de acompanhamento. Na etapa “você faz”, idealmente os alunos assumem sua autonomia com engajamento, trazendo para a sala de aula a sua própria contribuição para a construção do conhecimento coletivo e individual.
4. A conexão entre estudo pré-aula e sala de aula deve ser explícita
O resultado de todo esse trabalho com o material pré-sala deve ser uma aula em que os alunos trazem suas contribuições, propiciando conexões cognitivas mais significativas. A partir desta discussão o professor pode então propor uma atividade de aplicação inserindo um pequeno conteúdo adicional (se for o caso). É essencial que a atividade proposta seja explicitamente conectada ao material pré-aula e à discussão sobre esse material. Pode ser apenas algumas frases fazendo a transição para a atividade.
É fundamental tornar visível a contribuição de todos os alunos, em diferentes momentos na sala de aula. Isso serve para desenvolver essa cultura onde todos têm alguma coisa interessante para contribuir para o conhecimento do grupo. Para os alunos que ainda apresentarem resistência, vale encorajar e ensinar que toda contribuição é válida.
Como parte dessa cultura que vai sendo criada, onde os alunos aprendem a usar habilidades de estudo e análise, o professor(a) deve ser muito explicito(a) ao explicar os benefícios do esforço cognitivo (autônomo) prévio. Para tanto ajuda bastante se o professor tiver algum conhecimento de neurociência da aprendizagem, para explicar aos alunos. A própria neurociência mostra a necessidade dos alunos entenderam como funciona o seu cérebro e como exercitá-lo de maneira eficaz!