Qual estratégia de ensino escolher para que uma aprendizagem seja bem-sucedida? Existem duas questões aqui. Primeiro precisamos refletir sobre o que significa uma aprendizagem bem-sucedida, ou o que eu chamo de aprendizagem “de verdade”. E depois precisamos entender como escolher uma estratégia de ensino que resulte nessa aprendizagem que desejamos.
Mas vou começar pela questão da escolha de uma estratégia de ensino porque esta costuma ser a maior dúvida na cabeça de nós educadores. Muitas vezes procuramos “metodologias”, esperando uma receita completa para abordar desafios de aprendizagem. Pessoalmente eu acho a ideia de “metodologia” muito contraproducente, porque nos tira a compreensão de princípios fundamentais da aprendizagem e muitas vezes nos joga em receitas superficiais. Eu recomendo fortemente pensarmos em uma caixa de ferramentas contendo estratégias de ensino de alto impacto, que podem ser utilizadas em diversas situações. E para decidir como escolher, precisamos entender qual o seu propósito.
Neste artigo eu apresento estratégias de ensino de alto impacto diretamente relacionadas ao processo de aprendizagem. Existem outras estratégias mais ligadas ao planejamento reverso e à avaliação para aprender, que vou discutir em outros artigos.
Uma pausa para pensar … o que é uma aprendizagem “de verdade”
Como eu sempre digo, ensinar não é a mesma coisa que aprender. Por muito tempo o ensino tradicional nos fez acreditar nisso, mas hoje sabemos através de incontáveis pesquisas educacionais que a aprendizagem é muito mais complexa do que uma simples absorção unilateral de conteúdo. Se alguns poucos indivíduos conseguem aprender “mais ou menos” de forma passiva em sala de aula é porque provavelmente o seu cérebro está ativo de uma forma que não enxergamos.
O fato é que um cérebro passivo não aprende. Um cérebro que não manipula novas informações e não faz conexões com conhecimento prévio não consegue aprender “de verdade” e de forma duradoura. Um cérebro que não aplica o conhecimento e testa hipóteses na vida real, não aprende de forma aprofundada o suficiente para fazer diferença.
Desculpem as negativas, mas é uma forma de apontar o que uma aprendizagem bem-sucedida não é. Neste artigo vou falar sobre estratégias de ensino que tem alto impacto na aprendizagem e por isso geram aprendizagem “de verdade”. Então eu convido vocês a ficarem atentos aos diferentes aspectos da aprendizagem por trás de três grupos de estratégias apresentadas neste artigo. Quando escolher uma ou outra estratégia? Idealmente devemos escolher pelo menos uma estratégia em cada um dos três grupos, para trabalhar a aprendizagem em todos os seus aspectos. E melhor ainda será utilizar todas as estratégias, em momentos diferentes e apropriados, como iremos ver.
E só para finalizar, uma pequena explicação sobre aprendizagem “de verdade” baseada em ciência cognitiva. Para que os estudantes atinjam um objetivo final de aprendizagem focado e claro é preciso todo um processo de aprender. Não basta explicar de forma unilateral certo? Seja lá qual for a “metodologia ativa”, o importante é saber que precisamos estimular nos estudantes a formação de memória de longo prazo, porque sem isso a aprendizagem não é duradoura. Portanto decoreba não vale mais. E para que a memória de longo prazo seja bem construída e eficiente para lidar com a vida real, precisamos estimular a integração de novas informações ao conhecimento prévio do estudante de uma forma que tenha significado Assim temos mais engajamento e uma aprendizagem que o estudante pode utilizar.
Tendo essa compreensão do que é uma aprendizagem “de verdade”, vamos entender as diferentes estratégias para o processo de ensino.
ESTRATÉGIAS DE APRENDIZAGEM ATIVA
Para aprender “de verdade”, o estudante precisa se envolver em “aprendizagem ativa”. Isso já sabemos desde Piaget e o construtivismo. Mas hoje entendemos melhor como fazer isso através do acúmulo de pesquisas educacionais que dão uma “cara” mais precisa ao termo original “construtivismo”, que era um tanto amorfo e meio que permitia tudo, até o estudante estar “ativamente perdido(a)”.
Aprendizagem “ativa” significa de fato engajar o cérebro do estudante, provocando o seu conhecimento prévio de forma a (re)construir suas estruturas mentais com novas informações. O novo conhecimento deve ter uma estrutura eficiente, que seja capaz de entender o mundo real e conseguir agir neste mundo real com consequências positivas para si e a comunidade. Tudo isso pode ser resumido em uma palavra: interação. O estudante precisa confrontar o que sabe, ou o que “acha” que entendeu, com o “entendimento” de outras pessoas: colegas, especialistas, professores, e a comunidade em geral.
Essa é uma aprendizagem ativa que permite ao estudante se expressar e confrontar o próprio entendimento e suas consequências na prática. Uma abordagem de ensino básica para este propósito é a chamada aprendizagem colaborativa. Existem inúmeras formas de promover uma aprendizagem colaborativa, às vezes chamada de aprendizagem entre pares. Uma forma bem simples de promover este tipo de interação é pedir aos estudantes para se virar para o(a) colega ao lado e explicar o que aprendeu ou responder uma pergunta sobre o que aprendeu. O(a) colega ouve de forma ativa, fazendo perguntas para esclarecer o que ouviu e depois é a vez deste colega se expressar e ouvir perguntas. Este processo simples pode ser utilizado no final de uma aula ou de uma atividade, sendo muito eficiente para confrontar e aprofundar a compreensão.
Outra forma de promover aprendizagem colaborativa é com a estratégia conhecida como jigsaw ou quebra-cabeças. No jigsaw, os estudantes são divididos em grupos e cada membro do grupo recebe um número, ficando responsável por ler e aprender uma parte de um texto ou um aspecto de um tópico. Esse estudante se torna “especialista” naquele trecho ou subtópico. Depois a sala de aula é rearranjada, colocando no mesmo grupo os estudantes especialistas no mesmo subtópico. Assim os “especialistas” podem compartilhar o que entenderam e ouvir perguntas e outras perspectivas. Ao final, os grupos originais se formam novamente e cada “especialista” ensina o grupo sobre o seu subtópico.
Já a Aprendizagem Baseada em Projetos (PBL) oferece um maior desafio cognitivo, ajudando o estudante no processo de “aprender a aprender”, de forma colaborativa. É possível introduzir os estudantes a este tipo de aprendizagem com pequenos projetos, focados em apenas um aspecto do assunto sendo estudado. O importante neste tipo de aprendizagem é oferecer uma pergunta “geradora”, que provoca os estudantes a pesquisar e construir um entendimento em colaboração com os colegas. Existe todo uma estrutura para desenvolver PBL de forma eficaz, que vou trazer em outro artigo. No momento o importante é entender que precisamos oferecer aos estudantes a oportunidade de buscar a aprendizagem de forma ativa e colaborativa através da provocação de uma pergunta ou um problema.
Os projetos de pesquisa e avaliação da informação digital são parte integrante da Aprendizagem Baseada em Projetos e também importantes em aprendizagem colaborativa, sendo fundamental para um letramento digital. Por isso antes mesmo de utilizar um PBL é importante ensinar os estudantes a pesquisar e avaliar informações através de um pequeno projeto de pesquisa. Este tipo de projeto representa uma interação com o mundo, e principalmente com o mundo digital. A compreensão que o estudante tem em sala de aula pode ser complementada por pesquisa ou pode embasar a criação de um banco de dúvidas para apoiar o ensino em sala de aula. A pesquisa e o ensino podem e devem andar lado a lado. A pesquisa também pode e deve estimular discussões em grupo e discussões em sala de aula. A troca de ideias sobre um resultado de pesquisa reflete uma habilidade fundamental do mundo atual, que inclui a capacidade de avaliar a credibilidade das fontes digitais.
ESTRATÉGIAS PARA PENSAR
Quando o estudante confronta o seu entendimento em uma interação com outras pessoas, é necessário fazer ajustes na sua estrutura mental para dar conta de uma nova compreensão. A aprendizagem só ocorre de forma aprofundada e duradoura a partir de uma reflexão sobre informações, confrontos e conhecimento prévio. Por isso é fundamental ensinar os estudantes a “pensar”. Pensar pode parecer trivial e natural, mas não é. Precisamos exercitar o pensamento de diversas formas, o que inclui exercitar a memória.
Os exercícios para pensar ocorrem dentro da cabeça do estudante, que precisa de uma pausa para refletir e reorganizar o que viu, ouviu, leu e “pensou”. Por isso é importante oferecer esta pausa e oferecer estratégias que ajudam neste processo individual. Uma abordagem muito conhecida são as rotinas de pensamento do Project Zero da Universidade de Harvard. No site do projeto é possível encontrar rotinas de pensamento para inúmeros fins: explorar ideias, aprofundar ideias, ter perspectiva, considerar controvérsias e dilemas, gerar possibilidades, investigar sistemas, etc. Para quem quiser aprender algumas rotinas, veja o artigo desta newsletter chamado “Rotinas do Pensamento: Estamos ensinando nossos estudantes a pensar?”.
As rotinas do pensamento são chamadas “rotinas” por uma razão: para serem repetidas e se tornarem um hábito. E precisam ser tornar um hábito individual de cada estudante, oferecendo uma estrutura para refletir, mesmo quando as rotinas de pensamento envolvam a participação de colegas. Por isso todos os estudantes precisam participar e responder às perguntas ou propostas individualmente.
Vou incluir entre os exercícios para pensar, as estratégias envolvendo a memória. Hoje sabemos através da ciência da aprendizagem, o quanto é importante exercitar a memória como parte da aprendizagem e para reforçar a aprendizagem. Estes são exercícios que utilizam a reflexão para trazer de volta o conhecimento prévio, e assim poder reforça-lo ou modificá-lo, se necessário. Um exercício simples é o chamada “retrieval practice” ou “prática de recuperação da memória”. A cada aula ou novo assunto, podemos pedir aos estudantes para escreverem em um diário o que lembram sobre a aprendizagem da aula anterior, ou o que lembram sobre a aprendizagem de um determinado tópico. A prática de recuperar a memória exige esforço e por isso mesmo reforça a memória, além de permitir a conexão com novas informações.
Outro exercício simples de memória é o “spacing” e o “interleaving”. O “spacing” envolve repetir os exercícios de recuperação de memória sobre o mesmo tema com um espaço de tempo entre cada prática. Isso reforça a memória e ajuda a “consertar” erros ou incompreensões ao longo do tempo. É um tipo de revisão que força a memória a trazer de volta o que entendeu, e conferir se foi isso mesmo. O “interleaving” envolve intercalar diferentes tópicos de estudo ou diferentes contextos, para depois voltar a cada um deles fazendo um exercício de recuperação de memória.
Estes pequenos exercícios de recuperação de memória, espaçados no tempo e alternados com outros assuntos, trazem de volta o conhecimento adquirido na forma como foi gravado na memória. Assim é possível reforçar e /ou corrigir o conhecimento, tornando esse conhecimento mais eficaz e mais duradouro.
ESTRATÉGIAS de APRENDIZAGEM HÍBRIDA
A aprendizagem híbrida envolve o ensino que mistura atividades presenciais e atividades online, dentro e fora da sala de aula. Para decidir quando e como utilizar momentos online e offline é preciso entender o potencial de impacto desta modalidade na aprendizagem “de verdade”.
A mistura de atividades online e presenciais faz com que o estudante expanda as possibilidades de aprendizagem além do tempo de aula. Isso é diferente da noção tradicional de “lição de casa”. No ensino híbrido deve existir uma noção mais clara de como as atividades offline estão apoiando a aprendizagem presencial. Como vocês irão ver a seguir, a oferta de escolhas em atividades online permite uma autonomia para que o cérebro do estudante se desenvolva de acordo com suas necessidades e interesses pessoais. A autonomia favorece uma aprendizagem mais significativa para o estudante, porque ele(a) consegue percorrer um caminho mais individualizado e de acordo com o seu conhecimento prévio.
Portanto, os momentos online precisam servir para apoiar a autonomia do estudante, desde que este estudante esteja bem orientado por um objetivo de aprendizagem focado e claro. Podemos utilizar atividades online dentro da sala de aula para liberar tempo do(a) professor(a), para que ele(a) possa se envolver em um interação individual com os estudantes ou em uma interação com pequenos grupos estratégicos.
O atividade online pode ser uma lista de exercícios, organizados por nível de dificuldade, que o estudante escolhe. Ou a atividade online pode ser uma lista de recursos mistos, com texto, videos, áudios, infográficos, que o estudante escolhe para se aprofundar em um assunto e talvez escrever um pequeno resumo. Existem muitas possibilidades de engajamento autônomo com propósito. Enquanto isso, o(a) professor(a) tem tempo para percorrer a sala e oferecer feedback e também oferecer um ensino explícito, ou seja, uma explicação muito mais detalhada sobre o tema ou sobre o processo de aprendizagem deste tema. Quando oferecido de forma estratégica, o ensino explícito abre a “caixa preta” de como aprender de acordo com as necessidades de cada estudante ou de um grupo com necessidades específicas.
As atividades online fora da sala de aula precisam ser uma extensão do trabalho em sala, expandindo o que foi trabalhado presencialmente e preparando para a próxima aula presencial. E tudo isso muito bem conectado através de um objetivo de aprendizagem focado e claro. Da mesma forma que atividades online em sala de aula, as atividades online fora da sala de aula devem liberar tempo do(a) professor(a) para momentos de interação mais significativos no presencial. Assim as atividades online fora da sala de aula podem pedir aos estudantes para pesquisar alguns subtópicos de forma colaborativa, colocando suas anotações em um documento online colaborativo. E durante o momento presencial, os estudantes devem ser chamados a utilizar as anotações colaborativas para discussão e refinamento de uma conclusão, por exemplo.
Os portfólios digitais são uma outra maneira de estimular a autonomia do estudante e a responsabilidade pela sua própria aprendizagem. Um portfólio digital deve conter uma documentação da aprendizagem feita pelo próprio estudante, na forma da digitalização de trabalhos em papel, ou na forma de documentos digitais, imagens, infográficos, videos, etc. Professores precisam de apoio de desenvolvimento profissional para ajudar seus estudantes a documentar a própria aprendizagem e utilizar esta documentação para refletir sobre sobre o seu progresso. Em outra oportunidade irei explicar melhor como funciona um portfólio digital.