É muito importante entender e sempre lembrar que ENSINAR NÃO É O MESMO QUE APRENDER. Tradicionalmente e até hoje, ouvimos falar sobre como melhorar o ensino, sobre quais as metodologias de ensino, sobre como ensinar. Mas esse enfoque nos tira do objetivo principal que é a aprendizagem. E por aprendizagem eu quero dizer uma transformação cognitiva e afetiva eficiente, que torna o indivíduo mais capaz de atuar em benefício da própria vida e em benefício da comunidade. Um exemplo clássico que eu gosto de utilizar é quando assistimos a uma palestra em uma conferência. Quantas vezes nos sentimos energisados, estimulados … mas para qual finalidade prática exatamente? Conseguimos nos lembrar de três coisas importantes que aprendemos e conseguimos aplicar? Esta situação é típica no mundo do trabalho e é preciso um esforço do indivíduo e das instituições para que apresentações em eventos se tornem de fato aprendizagem que afeta a prática.
Os pesquisador John Hattie e Klaus Zierer em seu livro “10 Princípios para a aprendizagem visível” (2019), abordam esta questão do ensinar-aprender, enfatizando a necessidade do(a) professor(a) entender o impacto que o seu ensino causa nos estudantes. E a medida deste impacto é a verdadeira baliza para o ensino de qualidade:
“Imagine dois professores. Ambos preparam suas aulas de forma apropriada e consciente. Enquanto o primeiro formula sua mensagem central como “quero dar uma boa aula”, a máxima do outro é “quero que o meu impacto sobre os alunos seja visível ao final da aula”. Ambas as abordagens são convincentes em um primeiro momento. No entanto, em um segundo momento, a diferença fica clara: o primeiro professor ficará satisfeito se sentir que, no final do período, a aula foi boa, os alunos participaram, não houve interrupção do fluxo da aula, e o conteúdo mais importante foi apresentado. Sem dúvida, isso também importa para o outro professor, mas ele não confiará na intuição e procurará evidências. Como resultado, pelo menos no final da aula, mas provavelmente também durante ela, ele terá de assumir o papel de avaliador repetidas vezes, ouvindo em vez de falar, tornando a aprendizagem visível, e mostrando aos alunos o que são capazes de fazer – e o que ainda não são capazes.” (Hattie & Zierer, 2019).
O professor que avalia o seu impacto na aprendizagem
Tradicionalmente, o professor(a) ensina e espera que o aluno(a) estude e aprenda. Mas para ter maior impacto na aprendizagem precisamos nos perguntar: Os alunos progrediram no objetivo de aprendizagem desejado em resposta à estratégia de ensino utilizada? Isso significa dar um pequeno passo para documentar o resultado da aprendizagem. Esse pequeno passo torna aquilo que é uma percepção difusa em informação concreta sobre a qual se pode agir.
Uma maneira muito simples de coletar informações é oferecer pequenas avaliações formativas ao longo do processo de aprendizagem. As avaliações formativas podem variar desde um simples levantar de mão como resposta à uma pergunta (contando as respostas – ou utilizando um quiz digital), passando por uma “nota de saída” onde os estudantes escrevem o que aprenderam de mais importante (e variações deste tema), e chegando em uma avaliação mais formal tipo atividade (papel ou digital). Para as avaliações que são “recolhidas” ou salvas no digital, é possível selecionar um critério específico de qualidade e dividi-las em pilhas (ou pastas, no digital): atenderam ao critério, podem melhorar, não atenderam ao critério. É possível anotar apenas o número de avaliações cada pilha, mas sem desfazer as pilhas, que serão utilizadas para montar pequenos grupos estratégicos de ensino focado.
Este hábito de recolher evidências de aprendizagem através de avaliações formativas oferece ao(à) professor(a) o entendimento necessário para aprimorar o seu ensino. Isso vale para estratégias de ensino já estabelecidas e também para a implementação de novas estratégias. Pois é assim que melhoramos o ensino: com base em evidências de aprendizagem do grupo de estudantes em questão. É claro que com o tempo, melhoramos o ensino para os mais diversos grupos de estudantes e acabamos fazendo apenas ajustes finos para cada turma.
Para quem quer um pouco além, outra forma de documentar envolve anotar em uma tabela os pontos de cada aluno em cada critério de avaliação. Qualquer pessoa em um departamento de tecnologia pode construir uma planilha no Google que automaticamente torna os pontos verde, amarelo, vermelho, para aqueles que atendem, quase atendem e não atendem ao critério. Para isso é necessário utilizar uma rubrica de avaliação. Essa documentação permite seguir o progresso de alunos específicos e ajustar a estratégia de ensino para pequenos grupos ou a classe toda. Gráficos comparativos ao longo do tempo também podem ser facilmente criados de forma automática.
Não sugiro que essa documentação seja feita com todos e com tudo, porque não adianta coletar informação se essa informação não será analisada e não será utilizada para rever a estratégia de ensino É melhor fazer isso primeiro para áreas em que os alunos mais precisam evoluir. O acompanhamento de um mesmo critério de avaliação ao longo do tempo permite avaliar o progresso, mas tudo dentro de uma cultura de aprendizagem em que os professores se sintam apoiados a experimentar e refletir e não se sintam vigiados.
O professor que procura aprendizagem para “ensinar” com feedback
O que acontece com o professor quando ele(a) deixa de ficar na frente da sala de aula ensinando através de aulas expositivas? Esse professor(a) ganha liberdade para se movimentar e observar o impacto da sua estratégia de ensino e interagir com seus alunos dando feedback.
Pesquisas educacionais apontam que um dos maiores impactos na aprendizagem se deve ao professor(a) que “procura” aprendizagem ativa e significativa, que oferece feedback e que adequa sua estratégia de ensino aos seus alunos.
Experimente criando uma atividade em que os alunos consigam ser mais ou menos independentes. Para isso, combine antes o que os alunos devem fazer quando não souberem o que fazer: seguir um guia que você oferece, perguntar ao colega do lado, e por fim perguntar ao professor(a). Experimente a liberdade de checar a aprendizagem andando pela sala e fazendo perguntas a alguns estudantes e/ou grupos em três áreas importantes: Qual o seu objetivo de aprendizagem? Como está o seu progresso? Quais são os seus próximos passos?
Essa abordagem é essencial para oferecer feedback específico e útil à aprendizagem do estudante naquele momento. Lembrando sempre que este feedback também é uma forma de ensino. E na verdade, a metanálise de John Hattie nos mostra que o feedback é um dos grandes impactos na aprendizagem (“Hattie Ranking: 252 Influences and Effect Sizes Related to Student Achievement”, 2018). Isso porque o feedback acontece não apenas do(a) professor(a) para os estudantes mas também dos estudantes para professor(a). Cada vez que ouvimos nosso aprendizes, entramos nas caixinhas pretas que nos olham e nos assistem, e entendemos melhor o nosso impacto. Mas uma nota importante sobre feedback oferecido aos estudantes: não devemos focar na pessoa e sim na aprendizagem.
O professor que é modelo de como ser aprendiz
Tradicionalmente o professor(a) é visto como o portador do conteúdo final , sem abrir a caixa preta de como raciocina e como aprendeu tudo o que sabe. O novo papel do professor(a) permite que ele(a) se torne um verdadeiro modelo de como é pensar na sua área de conhecimento. Aposto que a maioria dos professores escolheram a profissão por conta de um desejo de causar nos alunos a mesma paixão e compreensão que eles(as) têm. Tradicionalmente, esse desejo original tem se traduzido na exposição do próprio conhecimento e do próprio entusiasmo. Mas o novo papel do professor perturba essa lógica tradicional, tirando o professor dessa posição de transmissor(a). O benefício desse novo papel é que o professor(a) consegue realizar o seu desejo de impacto com muito mais eficiência.
Segundo a metanálise de John Hattie, o conhecimento do professor(a) tem baixo impacto na aprendizagem, e a personalidade do professor(a) tem médio impacto, ou seja, longe do alto impacto desejado. Dessa forma, o professor(a) expositor de conhecimento e inspirador, não tem tanto efeito na aprendizag
em dos alunos.
Ron Ritchhart, em sua pesquisa sobre culturas de pensamento (“Creating Cultures of Thinking”, 2015), aponta que um dos fatores que cria cultura na sala de aula é o papel do professor(a) como modelo para pensar e ser aprendiz na sua área de conhecimento. Esse papel acontece de diversas formas quando o professor(a):
– “pensa alto”, mostrando como aprendeu e quais perguntas fez.
– compartilha sua visão e interesses sobre a área de conhecimento.
– compartilha sua reflexão atual.
– aprecia a contribuição dos alunos como parte da sua própria reflexão e da reflexão da classe.
– demonstra a utilidade de ferramentas, procedimentos e estratégias, na sua própria aprendizagem.
Se o desejo original do professor é causar um interesse e vontade de aprender, então se transformar em um modelo é a melhor forma de atingir esse objetivo. E a cultura de aprendizagem que se cria em torno do(a) professor(a) como modelo de aprendiz, influencia diretamente a eficácia do ensino.
Ser modelo “pensando alto”
A crença do(a) aluno(a) na sua capacidade de aprender através de tentativas e erros passa pelo entendimento de como é aprender naquela área de estudo. Como nossa tendência de educador(a) é mostrar o produto final da nossa própria aprendizagem, precisamos de vez em quando “desmistificar” o nosso saber e abrir a nossa “caixa preta” para os estudantes.
Um exemplo disso é o(a) professor(a) “falar alto” ao ler um texto complexo, por exemplo, explicando o seu processo de gerar sentido na leitura: fazendo perguntas a si mesmo(a), procurando palavras desconhecidas, relendo partes para responder às perguntas, etc. Não basta pedir para os(as) alunos(as) sublinharem palavras e escreverem perguntas. É preciso ser um modelo de como fazer isso, ao vivo. Esse “falar alto” se aplica a todo tipo de conhecimento e deve incluir processos que já são automáticos para o(a) professor(a) especialista. Isso significa tentar pensar com a cabeça de um aprendiz naquela área de estudo e ser um modelo para resolver os desafios.
É muito mais fácil para o(a) aluno(a) aceitar os erros e tentativas no processo de aprendizagem quando ele(a) entende COMO estes erros e tentativas são parte natural do processo. É muito mais difícil aceitar os erros quando existe uma percepção de que aquele conhecimento é adquirido em um passe de mágica. Talvez para alguns seja mais fácil, mas não para todos. Mostrar os nosso próprios desafios e como damos conta do sucesso também faz parte de ser modelo. Eu, por exemplo, preciso de várias leituras de um mesmo texto, preciso me fazer perguntas, fazer anotações, conectar com outras ideias, para realmente me apossar daquele conteúdo.
Ser modelo de metacognição
Qual será a diferença entre resolver um problema no quadro para os alunos e oferecer um “problema resolvido” ou “worked example”? A idéia de “worked example” serve apenas para matemática e ciências?
A diferença é que no “worked example”, o professor é mais explícito ao comunicar como e porque realizar aquele passo, documentando esse passo para que os alunos possam seguir depois. Esta abordagem é bem diferente da tradicional resolução de problemas no quadro que tendem a ser muito rápidas para o raciocínio do aluno e apenas verbal, sem documentação do raciocínio por trás da resolução.
Pesquisas em neurociências apontam que “worked examples” diminuem a carga cognitiva, permitindo melhor assimilação e processamento das informações de uma maneira mais aprofundada, facilitando a transferência para outros contextos.
Essa estratégia de “worked example”pode ser usada em qualquer processo, até no ensino de escrita. Este é um tipo de “pensar alto” que requer alguma prática, porque muitas vezes não temos consciência clara de todo o nosso processo mental. Mas é fundamental compartilharmos o nosso raciocínio com os estudantes, com suas pausas, questionamentos, e acertos baseados nos erros.