Uma grande preocupação no planejamento didático é “engajar” os estudantes, mantê-los ativos, atentos, participativos, certo? Mas estamos nos preocupando com o engajamento efetivo do cérebro? Estamos considerando que o engajamento também envolve “significado” e desafios apropriados para o estudante?
Precisamos sempre nos perguntar: O planejamento do ensino está considerando atividades que favorecem “aprendizagem” ativa? O planejamento das atividades está considerando níveis crescentes de desafio cognitivo? Ou o planejamento de atividades está mais focado em ser apenas “legal” com o “esperança de engajar” os estudantes?
As chamadas “metodologias ativas”, como aprendizagem por projetos ou tantas outras, são divulgadas como forma de engajar os estudantes. Porém muitas vezes estas “metodologias” acabam sendo experimentadas mas não se tornam parte da prática pedagógica por “não darem muito certo”, ou são implementadas de forma incorreta e não melhoram o resultado final de aprendizagem. Isso pode acontecer por um desconhecimento ou falta de apoio para implementar princípios fundamentais que levam ao sucesso destas “metodologias”. Um destes princípios é o planejamento didático estratégico baseado em uma “escada de desafios”.
Neste artigo eu explico dois cenários comuns que precisamos EVITAR ao implementar metodologias ativas e a seguir descrevo os passos de um PLANEJAMENTO DIDÁTICO ESTRATÉGICO para desenvolver todo o potencial cognitivo de nosso estudantes. Isso significa prestar atenção no nível de desafio das atividades de aprendizagem para de fato desenvolvermos habilidades tão faladas como pensamento crítico e resolução de problemas. Afinal essa é uma necessidade fundamental para o progresso de uma sociedade e também para o desenvolvimento pleno do indivíduo.
O que precisamos EVITAR
Vamos imaginar dois cenários diferentes de planejamento didático que deixam a desejar em termos de resultado de aprendizagem, ou seja, que produzem pouca “aprendizagem de verdade”. E por “aprendizagem de verdade” eu quero dizer aprendizagem duradoura, significativa e eficaz para resolver problemas reais da vida e no trabalho. No primeiro cenário, observamos a tentativa de implementar uma metodologia ativa visando um nível mais elevado de desafio, porém, sem a devida preparação dos estudantes para alcançá-lo. E no segundo cenário vemos um projeto “legal”, mas que na verdade só alcança um nível de desafio muito baixo. Leia os dois exemplos para entender o que precisamos evitar para depois entender como fazer planejamento didático estratégico utilizando uma “escada de desafios”.
Cenário 1 – Falta de preparação para o desafio:
Vamos imaginar um projeto de metodologia ativa em que os estudantes irão pesquisar e analisar o resultado da pesquisa, criando um produto no final (um folheto, um site informativo, etc). Uma abordagem desavisada pode jogar os estudantes direto na pesquisa e análise, imaginando que estes estudantes entendem o que significa uma análise nesta área de estudos e que entendem como refinar uma pesquisa para apoiar a análise. Mesmo “ensinando” o que é uma análise e uma pesquisa, essa pode ser a receita para o desastre: desastre da aprendizagem “de verdade”e da autonomia produtiva dos estudantes.
Pesquisas educacionais nos mostram que é preciso muito mais do que apenas mencionar ou dar uma aula expositiva sobre uma habilidade. Habilidades precisam ser praticadas e precisam de feedback para serem aprimoradas. Por isso precisamos olhar os níveis de desafio anteriores que apoiam o objetivo de aprendizagem final. Neste exemplo, seria preciso planejar para duas etapas anteriores: compreensão e aplicação. Iremos ver como fazer isso nos próximos passos.
Cenário 2 – Atividade com baixo nível de desafio:
Se pegarmos o mesmo tipo de atividade do cenário 1, pode acontecer uma situação inversa em que o nível de desafio REAL será muito baixo. Vamos supor que a pesquisa seja dirigida: os estudantes recebem uma lista de artigos ou páginas da internet para serem “pesquisadas”. Nesse caso não existe pesquisa, e sim leitura. Na etapa de análise, os estudantes ouvem uma “aula” que entrega a análise pronta, ou já mastigada. Dessa forma, o nível de desafio final é apenas de “compreensão” para conseguir reproduzir a análise no produto final (folheto, site, etc).
Este parece um “projeto legal” e vistoso mas com pouca sofisticação de aprendizagem. Esse cenário pode acontecer quando duvidamos da capacidade dos estudantes de fazerem uma pesquisa ou análise de qualidade e de forma mais autônoma. Esta dúvida seria sanada com um planejamento didático estratégico, que ensina os estudantes a fazer pesquisa e a fazer análise antes mesmo de chegar na atividade final. Leva mais tempo, mas é mais eficaz e mais produtivo em termos de impacto no estudante.
O PLANEJAMENTO DIDÁTICO ESTRATÉGICO:
Um planejamento didático estratégico começa pela definição de um objetivo final que inclui muita clareza sobre o nível de desafio que nossos estudantes devem alcançar. Esse objetivo final será transformado em uma atividade de avaliação e para chegar nesse resultado desenhamos um processo de aprendizagem baseado em uma “ESCADA DE DESAFIOS”.
PASSO 1: Qual é o NÍVEL DE DESAFIO FINAL?
Pensar no objetivo de aprendizagem final de uma unidade de estudos (ou curso) significa pensar no nível de desafio cognitivo que nosso estudantes precisam conquistar. O ensino tradicional sempre sofreu com um “déficit cognitivo”, porque normalmente os estudantes precisavam “decorar” uma grande quantidade de conteúdo, ficando no nível de memorização ou compreensão, talvez um pouco de aplicação.
Hoje sabemos, através de inúmeras pesquisas educacionais e diversos especialistas, que atividades de aprendizagem também são atividades avaliativas. Por esse motivo, podemos e devemos utilizar atividades com níveis mais altos de desafio cognitivo como forma de aprender e oferecer evidências desta aprendizagem. Uma atividade que propõe avaliação no “nível criação” não pode ser um teste de múltipla escolha. Para isso é preciso permitir que o estudante desenvolva projetos, faça pesquisas, crie produtos. Testes de múltipla escolha não conseguem oferecer evidências de aprendizagem no nível de criação, porque não são boas ferramentas para avaliar raciocínio.
Precisamos pensar no objetivo de aprendizagem com bastante clareza para conseguirmos desenvolver uma atividade de aprendizagem que realmente desenvolva o estudante no nível de desafio cognitivo que desejamos. É preciso uma intencionalidade pedagógica muito clara para isso.
PASSO 2: Qual é a ATIVIDADE APROPRIADA para o nível de desafio final?
Atividade de aprendizagem e avaliação de aprendizagem são a mesma coisa? Sim, podem e devem ser a mesma coisa.
Vamos supor que, ao final de uma unidade de estudos os estudantes devem ser capazes de chegar ao nível de ANÁLISE. Podemos desenhar uma atividade de aprendizagem baseada em um dos verbos de ação da Taxonomia de Bloom para este nível: por exemplo “descobrir”. Esta atividade de aprendizagem pode e deve ser repleta de feedback com base em critérios de sucesso para o que significa analisar através de descoberta. Desta forma, a atividade se transforma em uma avaliação formativa”, para que os estudantes sejam capazes de utilizar esta capacidade de análise em uma atividade de avaliação final.
Um exemplo clássico seria no ensino de história. Vamos supor que a expectativa final para os estudantes é de que sejam capazes de “descobrir” causas e efeitos de um evento histórico através de um projeto de pesquisas. Claro que durante o processo de aprendizagem os estudantes irão aprender conceitos históricos importantes, além de aprender como pesquisar, anotar, e produzir análises com critérios de qualidade. Esta habilidade de “descobrir” causa e efeito como forma de análise é uma habilidade fundamental na capacidade de compreender o mundo.
E como sabemos que os estudantes aprenderam a fazer este tipo de análise? Para isso é importante definir critérios qualitativos, como por exemplo, ser capaz de descrever causes e efeitos com base em evidências e raciocínio estruturado. É possível utilizar o próprio projeto de pesquisas como avaliação final, com base nestes critérios e/ou adicionar uma “prova” onde o estudante precisa fazer a descoberta e análise a partir de textos selecionados.
O importante é aumentar a expectativa de aprendizagem real através de atividades avaliativas que de fato exigem o nível de desafio cognitivo que esperamos.
PASSO 3: Qual deve ser a ESCADA DE DESAFIOS?
Como conseguimos levar os estudantes a um nível mais elevado de desafio? Dá para ir “direto ao ponto” ou precisamos desafiar os estudantes passo a passo, em níveis progressivos?
Pensar nos níveis crescentes de desafio para chegar a um nível cognitivo mais alto é o mesmo que pensar no processo “formativo” de aprendizagem. Para que os estudantes sejam capazes de fazer uma análise, precisamos fazer perguntas sobre cada um dos níveis anteriores.
Para dar um exemplo, vamos voltar aos cenários apresentados no início deste artigo sobre o que devemos evitar e agora pensar como podemos de fato oferecer uma escada de desafios apropriada para o sucesso. Digamos que o projeto de análise baseada em pesquisas se refere ao ensino de história, sendo que a expectativa final para os estudantes é de que sejam capazes de “descobrir” causas e efeitos de um evento histórico.
Se o nível do objetivo final é a ANÁLISE, estas são as perguntas que devemos nos fazer:
- Existe algum conteúdo ou estratégias que os estudantes precisam MEMORIZAR (ou não) para ter melhor desempenho durante a análise? Talvez apenas as estratégias de pesquisa e a definição do que significa análise baseada em descoberta de causas e efeitos
- O que os estudantes precisam COMPREENDER para desenvolver a análise com maior profundidade? Com certeza os estudantes precisam compreender os exemplos do que significa uma análise aprofundada e também compreender os fatos históricos.
- Quais atividades de APLICAÇÃO de conceitos e estratégias os estudantes precisam para apoiar a análise? Antes mesmo de fazer a análise baseada em pesquisas, os estudante precisam ser capazes de aplicar as estratégias de pesquisa e verificação de fontes, além de aplicar o conceito de “descoberta” de causa e efeito. Estas podem ser atividades de prática com outro conteúdo, mais controlado e simplificado, para que os estudantes recebam feedback.
E finalmente os estudantes chegam no projeto final mais complexo, onde os estudantes colocam em prática cada uma das partes aprendidas no processo de aprendizagem e desenvolvem pesquisa e ANÁLISE, para descobrir causa e efeito.
Esta é uma maneira muito útil de fazer um planejamento didático estratégico, que apoia um “processo” de aprendizagem através de atividades formativas. Este tipo de processo ajuda o estudante a se autorregular através de feedback em cada nível de desafio, na direção correta rumo ao objetivo final.
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