Todo(a) professor(a) tem um grande desejo de ensinar. E por muito tempo isso significou dar longas aulas expositivas. Hoje em dia há um movimento crescente para reduzir o uso de aulas expositivas e estimular o engajamento ativo do estudante em sua própria aprendizagem, ou o famoso “mão na massa”. Mas qual o impacto dessa abordagem na capacidade do(a) professor(a) de realmente “ensinar”?
Reduzir o ensino “expositivo” significa colocar um pé no universo do “microlearning”e mudar o foco para “ensinar através de feedback”. Pesquisas educacionais mostram que o feedback representa um dos maiores impactos no resultado de aprendizagem (veja o ranking de impactos na pesquisa de John Hattie). Já o microlearning, para quem não conhece, é uma forma de transmitir conteúdo para aprendizagem em pequenas doses, mais difundido no ensino corporativo. E como juntar estas duas estratégias de forma eficaz e organizada? Qual tipo de aula pode ser uma alternativa viável à aula expositiva?
Neste artigo eu vou explicar o “modelo workshop de aula”, que é muito eficaz para implementação de microlearning e que também oferece alternativas para ensino através de feedback. O modelo workshop foi desenvolvido para o ensino de escrita e leitura por um grupo de pesquisa do Teachers College da Universidade de Columbia, liderado por Lucy Calkins. O trabalho deste grupo é tão detalhado e tão bem embasado, que se tornou um modelo para o ensino de todo tipo de conteúdo. Eu posso falar da minha experiência em primeira mão, implementando este modelo de aula, observando e interagindo com estudantes e professores. Vamos ver como funciona e o que é preciso para que seja eficaz.
Modelo Workshop de Aula
O modelo “workshop” de aula é uma forma muito eficiente de engajar os estudantes e obter melhores resultados de aprendizagem. Este é um modelo onde o “ensino” deixa de acontecer apenas quando o(a) professor(a) está na frente da sala de aula, passando a acontecer também com o(a) professor(a) circulando pela classe e interagindo com os(a) estudantes.
⠀A idéia é “quebrar” a parte expositiva de todo o conteúdo em pequenas miniaulas, que são imediatamente seguidas de uma atividade em que os estudantes aplicam o novo conhecimento. No modelo workshop, a miniaula não deve ocupar mais do que 20% do tempo, enquanto que a atividade prática deve ocupar 60% do tempo. Durante os 20% finais da aula, os estudantes compartilham o que aprenderam e o resultado de seu trabalho, de forma a solidificar o aprendizado no cérebro.
O “ciclo” da aula no modelo workshop envolve um conteúdo bastante focado, que é praticado e finalmente compartilhado com os colegas. Para que este formato funcione, é necessário um planejamento didático bastante intencional e estratégico, onde as aulas são planejadas junto com uma atividade de aplicação correspondente.
Notem que a miniaula acontece apenas no início e é exclusiva para aquela aula, ou seja, cada aula cobre uma pequena parte do conteúdo/habilidades e tem um sentido em si mesma. Este é o chamado “microlearning”, que veremos em mais detalhes a seguir. Desta forma, a “aula” envolve mais o trabalho dos estudantes do que o momento de aula expositiva. E para que isso aconteça precisamos nos policiar, porque temos a tendência de falar demais (eu pelo menos tenho), e quando nos damos conta não sobra muito tempo para a atividade.
Para que o “ensino” continue acontecendo durante o período em que os estudantes estão trabalhando e o(a) professor(a) está livre para circular, é necessário planejamento. A seguir veremos como o planejamento apoia o ensino em grupos estratégicos e durante conferências individuais, que ocorrem enquanto a classe está engajada na atividade prática. Os grupos estratégicos e as conferências individuais oferecem a oportunidade de um feedback essencial voltado para as necessidades específicas daqueles estudantes.
O momento colaborativo final do modelo workshop de aula é muito importante e não deve ser esquecido. Este momento pode ser muito simples, apenas pedindo aos estudantes para compartilharem com o(a) colega ao lado, ou designando “parceiros(as) de aprendizagem que trabalham juntos(as) por um período de tempo. O compartilhar pode ser baseado em uma pergunta do(a) professor(a), um desafio, um ponto importante que foi aprendido no dia, alguma dúvida ou algum pedido de feedback para o(a) colega. O ato de pensar e expressar em voz alta a própria aprendizagem, apontando o que foi feito durante a aula, ajuda o cérebro a se organizam e pensar os próximos passos. Neste momento, é importante que cada estudante tenha a sua vez de falar, de ser ouvido e de receber feedback. Para isso os estudantes precisam de treino, para aprender escuta ativa e formas de oferecer feedback focado, gentil e útil.
Microlearning
Você pode estar se perguntando: o microlearning é uma estratégia eficaz? Faz sentido quebrar o conteúdo assim em pequenas partes? Mas o estudante não precisa ouvir todo o conteúdo junto de uma vez só para depois praticar?
Sim o microlearning pode ser muito eficaz tanto no ensino corporativo, onde tem sido mais disseminado, como no ensino formal ou cursos livres em geral. Funciona muito bem DESDE QUE seja seguido da APLICAÇÃO prática e seja apoiado por um PLANEJAMENTO didático estratégico que conecta todos os momentos de microlearning através de um objetivo de aprendizagem abrangente e significativo. Ufa… então vamos por partes.
O planejamento didático estratégico é fundamental para a eficácia do microlearning. É preciso planejar uma “sequência didática” que faça sentido para atingir um objetivo de aprendizagem final bastante claro. E o estudante precisa entender onde está nesta sequência didática em direção ao objetivo, ou seja, precisa saber onde está, para onde vai e como chegar lá. Não existe aprendizagem significativa, eficaz e duradoura com uma aula baseada em apenas um microlearning isolado, ou diversas aulas isoladas baseadas em microlearning. O microlearning é um pequeno passo no processo de aprendizagem, e faz parte de uma escada de desafios para chegar ao resultado final esperado, que pode ser o desenvolvimento de uma competência que resolve um problema prático da vida e do trabalho. No final deste artigo eu indico como você pode aprender mais sobre este tipo de planejamento estratégico em uma escada de desafios.
Quando planejamos o processo de aprendizagem começando pelo final, ou seja, pelo resultado de aprendizagem esperado, fica mais fácil dividir este processo e pequenas partes. O segredo é primeiro planejar o que o estudante precisa SABER FAZER com o conteúdo, nos diversos níveis de desafio da Taxonomia de Bloom. E só depois associar uma aula baseada em microlearning, ou uma “miniaula” para apoiar a atividade prática. As aulas, ou módulos de microlearning, devem focar exclusivamente no essencial, permitindo que o estudante continue aprendendo por meio da aplicação do conteúdo e do feedback recebido sobre sua atividade..
Em breve estarei lançando um curso online sobre planejamento didático estratégico para cursos livres, e em seguida o mesmo tipo de planejamento estratégico para quem trabalha com ementas e com habilidades tipo BNCC. Fiquem ligados no site da silvanascarsoed > cursos online > EM BREVE.
Feedback em Conferência Individual
As “conferências individuais” ocorrem durante o período de trabalho independente dos estudantes que acontece durante 60% do tempo de aula. A conferência individual se aproxima da ideia de uma “ajuda individual” mas ao mesmo se diferencia dessa ajuda tradicional por apresentar uma estratégia que empodera o aprendiz. A conferência individual é um momento de apoiar estudantes que apresentam maior dificuldade, ou apresentam dificuldades muito específicas, ou até mesmo apoiar estudantes que se destacam e precisam de ajuda para ir mais adiante que o resto da turma. Essa abordagem se chama diferenciação, porque se baseia nas necessidades individuais.
O modelo workshop de aula desenvolveu uma estratégia muito eficaz para este tipo de diferenciação, que é baseada em objetivo claro de aprendizagem, critérios claros de sucesso e principalmente EXEMPLOS do que é ter sucesso neste objetivo. Por isso é muito útil que o(a) professor(a) tenha à disposição uma pasta com exemplos do que é ter sucesso nos mais diversos critérios de qualidade esperados. É com base nestes exemplos e seus critérios que a conferência individual acontece.
E como abordar estes estudantes com um feedback eficaz, que empodera o estudante com agente do seu próprio processo de aprender? Primeiro, (a)o professor pergunta o que o estudante está fazendo, quais os seus desafios e sucessos. Após ouvir atentamente, fazendo perguntas esclarecedoras, o(a) professor(a) aponta o que já foi aprendido e qual o próximo desafio, convidando o estudante a analisar um exemplo de sucesso e avaliar o seu trabalho com base neste exemplo.
Note que o raciocínio deve ser feito pelo próprio estudante, e não pelo(a) professor(a). O papel do(a) professor(a) é ajudar o estudante com perguntas e encorajar a análise do exemplo. Ao final, o(a) professor(a) ajuda o estudante a formular o seu próximo passo na aprendizagem. Tudo isso não precisa demorar muito. Caso necessário, o(a) professor(a) pode indicar alguma atividade extra.
Miniaula e Feedback em Grupos Estratégicos
Vamos aqui reforçar que diminuir o tempo de aula expositiva não significa diminuir o tempo de ensino-aprendizagem. Enquanto os estudantes estão engajados em atividade prática, o(a) professor(a) deve aproveitar para “diferenciar” o ensino de acordo com necessidades observadas e/ou avaliadas. Isso pode acontecer individualmente e também em grupos de estudantes com necessidades similares.
É preciso organização e prática para fazer uma boa facilitação e diferenciar com certa eficiência para atingir melhores resultados de aprendizagem. As avaliações formativas são muito úteis para identificar necessidades e agrupar os estudantes com necessidades parecidas. É possível fazer um rodízio e atender os mais diversos tipos de necessidades, inclusive necessidades de aceleração para estudantes com alto desempenho.
Ao serem selecionados para participar de um grupo estratégico, os estudantes não devem pensar que têm “deficiências’, mas sim que estão sendo apoiados para dar o próximo passo no seu processo de aprendizagem. O grupo estratégico acaba sendo uma atenção e um carinho especial na direção do progresso de todos.
E como funciona o grupo estratégico? O(a) professor(a) prepara uma miniaula focada na necessidade identificada, que pode ser uma explicação, uma atividade em grupo ou uma análise de exemplos de sucesso junto com uma rubrica de avaliação. E daí propõe que os estudantes discutam e utilizem esta aprendizagem imediatamente para melhorar o seu trabalho de forma independente.
Em uma única aula é possível cobrir mais de um grupo estratégico, já que a miniaula é curta, além de atender estudantes em conferência individual. É importante que o(a) professor se organize, anotando os grupos e estudantes atendidos em uma aula, para ao longo do tempo cobrir o maior número de estudantes e necessidades possíveis.
Para que a diferenciação em grupos estratégicos e conferências individuais aconteça com tranquilidade, é preciso que os estudantes aprendam e pratiquem a autonomia. Para isso que isso aconteça, é preciso ter instruções claras e facilmente acessíveis, como em videos online por exemplo. Assim os estudantes podem acessar instruções, explicações e exemplos de forma independente. A estratégia “pergunte a três depois a mim” também é muito útil como forma de ensinar autonomia: quando houver dúvida, o estudante consulta as instruções depois consulta o(a) colega ao lado, e por fim, se necessário, consulta o(a) professor(a).
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