Mas de que autonomia eu estou falando? E o que é afinal autonomia?
Acredito que todo educador(a) deseja que seus estudantes saibam “se virar”, que entendam as instruções “de primeira” e não fiquem repetindo sempre as mesmas perguntas, que saibam buscar informações, que saibam estudar. Mas será que o estudante que faz tudo isso aprende mais e melhor?
O conceito de autonomia na verdade vai além, porque envolve “consciência sobre seus objetivos e estratégia de ação”, de acordo com a nossa Base Nacional Comum Curricular (BNCC). O estudante que desenvolve autonomia faz escolhas, mas estas escolhas são embasadas em uma compreensão do objetivo final de aprendizagem, uma capacidade de avaliar o estágio atual de aprendizagem e uma capacidade de definir estratégias para atingir o objetivo a partir do estágio atual.
Neste artigo iremos entender a falta que faz um objetivo claro de “aprendizagem”, e como o estudante que desenvolve autonomia sabe para onde vai no seu processo de aprender e tem estratégias para chegar no objetivo final. É claro que nada disso acontece de forma espontânea: o(a) professor precisa oferecer condições para que esta autonomia floresça e precisa ensinar aos estudantes como desenvolver estratégias neste sentido.
Conformidade com as regras não é autonomia
O ensino tradicional sempre teve os seus estudantes “espertos(as)”, que sabem “jogar o jogo”: entendem as instruções mais rapidamente, ajudam os colegas, conseguem “pescar” o que “vai cair na prova” e estudam para tirar boas notas, conseguem ser mais independentes e “se viram” mesmo nas condições mais adversas. Muitos de nós passamos por este tipo de ensino e acabamos nos “dando bem afinal”. Eu, por exemplo, sempre fui uma típica “boa aluna” e sabia de alguma forma me dar bem nas provas. Porém a certa altura, na faculdade de engenharia, eu tomei consciência da precariedade da minha aprendizagem real – e por isso resolvi me dedicar ao ensino.
Porque estou falando tudo isso? Porque a autonomia “autêntica” pavimenta o caminho para uma “aprendizagem de verdade”: mais aprofundada, mais significativa e mais duradoura. Se a autonomia “autêntica” envolve “consciência sobre seus objetivos e estratégia de ação”, uma “aparente” autonomia envolve tentar “adivinhar” como “ganhar a nota”. É claro que existe aprendizagem no processo de “ganhar a nota”, mas que tipo de aprendizagem?
Para responder a essa pergunta, eu dou o exemplo da minha experiência na faculdade de engenharia. Eu percebia a desconexão entre teoria e prática, por exemplo. Eu aprendia uma teoria bem “cabeluda” e tirava boas notas sobre essa teoria, mas não sabia aplicar a teoria ou enxergar a conexão com a prática. Eu percebia em certos casos uma didática bem precária, com uma “leitura” da apostila durante a aula. Isso fazia com que muitos alunos(as) faltassem à aula, incluindo eu mesma, porque a presença na aula não tinha sentido. Mas eu estudava a apostila e passava na prova. Essa era a minha “autonomia”.
O que significa então para o estudante e para o(a) professor(a), o desenvolvimento de uma autonomia “autêntica”?
O estudante precisa de clareza sobre o objetivo de aprendizagem
Nas minhas observações de sala de aula, eu sempre conversava muito com os estudantes. A minha pergunta principal era sobre “o que você está aprendendo”? Eu não abordava a pergunta exatamente desta forma, mas conversava com os estudantes sobre o seu processo de aprender. E essa não era apenas a “minha” pergunta, mas era uma pergunta esperada como forma de observação na instituição, porque é baseada em pesquisas educacionais e boas práticas.
Quando o(a) estudante sabe explicar ou indicar o que está “aprendendo”, no lugar de falar apenas sobre o que está “fazendo”, sabemos que entendeu o objetivo de aprendizagem e sua autonomia está no caminho certo. Esta ênfase na clareza do objetivo de aprendizagem tem sido repetida em inúmeros pesquisadores e autores como John Hattie, Jan Chappuis, Larry Ainsworth, Wiggings & McTighe.
E porque a clareza no objetivo é tão importante para a autonomia e o resultado de aprendizagem? Porque a única forma do(a) estudante tomar as rédeas do próprio processo de aprender, com resultado duradouro e significativo para si mesmo(a), é através da consciência sobre o resultado que se deseja atingir – e porquê é desejável chegar lá. Caso contrário, temos apenas a conformidade com objetivos muitas vezes opacos e que, aos olhos dos estudantes, se movem constantemente ao longo do tempo. Um exemplo de objetivo opaco é “resolver uma lista de exercícios” ou “aprender um tópico”, e o resultado é o tipo de aprendizagem descrita no tópico anterior sobre conformidade.
É muito diferente um estudante aprender sobre como “a escolha de materiais influencia a conservação de energia em uma casa” no lugar de achar que está aprendendo sobre o “tópico energia”. O objetivo, ou objetivos, pode(a) estar claro(s) na cabeça do professor(a) especialista, mas está(ão) confuso(s) no ensino, está confuso na avaliação e está confuso na cabeça dos estudantes. Muitas vezes, este(a) professor(a) especialista tem até dificuldade de expressar esse objetivo com clareza, porque todo o conteúdo está interconectado em sua cabeça.
Por isso é importante fazer um planejamento didático intencional, que apresenta um objetivo de aprendizagem “focado”, de forma clara, e embasado por conteúdos que são priorizados. Esse objetivo deve ser apresentado logo no início da unidade de estudos, para embasar todo o esforço de aprendizagem do estudante ao longo do processo.
Se a aprendizagem do estudante está focada na “análise da influência dos materiais na conservação de energia em um modelo de casa 3D”, este estudante deve ser capaz de conversar sobre o seu objetivo de aprendizagem e não focar no que está “construindo” ou não focar no “tópico energia”. O estudante precisa ser capaz de articular este objetivo de aprendizagem com todas as suas nuances e complexidades, sabendo apontar os seus sucessos e desafios para atingir o objetivo.
Um objetivo de aprendizagem claro é, ao mesmo tempo, focado e suficientemente complexo para estimular a curiosidade e o processo de aprendizagem. E a clareza sobre este objetivo, desde o início, permite ao estudante avaliar se está no caminho certo. Para avançar nesse percurso, ele(a) precisa de estratégias eficazes.
O estudante precisa desenvolver estratégias para atingir um objetivo claro
Quando o objetivo de aprendizagem é claro “para o estudante”, desde o início, então as estratégias para chegar no objetivo com maior autonomia já estão engatilhadas. A parte mais desafiadora é o desenho do objetivo de aprendizagem, junto com critérios do que significa o sucesso neste objetivo, além de exemplos de sucesso. Depois disso, o(a) professor precisa colocar o objetivo em prática no seu ensino, tornando esse objetivo algo vivo durante as aulas, atividades e processo formativo. Essa utilização do objetivo na prática é o que ensina aos estudantes como navegar na aprendizagem com maior autonomia.
As estratégias fundamentais para guiar a autonomia do estudante são a autoavaliação, o feedback e a capacidade de planejar os seus próximos passos. Quando o estudante entende os critérios para ter sucesso no objetivo de aprendizagem, então ele(a) consegue fazer uma autoavaliação do seu processo e buscar uma correção de rumo, se necessário. Idealmente, uma autoavaliação é baseada em uma “rubrica”, indicando os critérios de sucesso, com exemplos. Mas o estudante precisa aprender a fazer esta avaliação, e a aprendizagem passa pelo feedback do(a) professor(a). Afinal, uma autoavaliação nada mais é do que um feedback a si mesmo(a).
O(a) professor(a) deve oferecer feedback sempre que possível, porque esta é a melhor forma de aprendizagem, responsável por um alto impacto no resultado (John Hattie). O feedback deve ser específico sobre um dos critérios de sucesso esperado, útil para ajudar o estudante a pensar nos seus próximos passos, e gentil (não vale dizer “bom trabalho” ou “você não está se esforçando”). Quando o estudante recebe este tipo de feedback, ele(a) aprende a se autoavaliar e a oferecer feedback para os colegas também.
O melhor produto do feedback é a capacidade do estudante de pensar por si mesmo(a) quais devem ser os seus próximos passos na aprendizagem. Esta é uma característica fundamental da autonomia. O(a) professor(a) precisa apoiar os estudantes fazendo perguntas, que depois, os estudantes deverão aprender a fazer por si próprios. Estes são apenas alguns exemplos de perguntas metacognitivas que apoiam a autonomia:
- Porque essa aprendizagem é importante para mim?
- Onde estou no processo para atingir o objetivo?
- Posso explicar o que aprendi para um colega?
- Qual é o meu maior desafio?
- Qual estratégia posso utilizar para lidar com este desafio?
- Como posso encontrar esta resposta?
- Qual deve ser o meu próximo passo para atingir o objetivo?
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