Uma vez eu fui chamada por um professor pedindo que eu observasse a sala de aula e oferecesse alguma sugestão para combater o que ele descrevia como dispersão, desordem e falta de interesse. Observando a aula como se fosse uma estudante, logo percebi que as informações eram muitas e não ficavam o tempo todo visíveis. Por esse motivo, no momento da atividade, os(as) estudantes ficavam dispersivos e começavam a conversar e fazer outras coisas. Sugeri uma mudança simples, que deixava as instruções mais claras e visíveis o tempo todo. A mudança no comportamento foi imediata.
Esse pequeno evento me ensinou que muitas vezes (não sempre), o comportamento indesejado vêm de uma frustração. Nesse caso, frustração com a incapacidade de seguir instruções complexas passadas de forma oral. Estava havendo uma sobrecarga cognitiva para muitos estudantes.
Mas existem outras frustrações muito mais danosas para a aprendizagem, com implicações negativas mais duradouras. Vou falar de três destas frustrações, e o que precisamos considerar na hora de planejar e entregar o ensino. Para isso eu convido você a pensar na sua própria trajetória como estudante e nas suas próprias frustrações neste processo. Precisamos sair da lógica tradicional do ensino que foca na “entrega de conteúdo” e nos colocarmos no lugar do estudante, considerando o seu ponto de vista de quem “recebe” o ensino.
Pense na APLICAÇÃO PRÁTICA
Você já sentiu necessidade de aprender sobre aplicação prática, além da teoria? Eu já. Essa foi a minha maior frustração como estudante de engenharia. Naquela época eu não conseguia parar de pensar em como o ensino era focado em tanta teoria e praticamente nenhuma prática relacionada a essa teoria. Foi daí que nasceu meu interesse por uma aprendizagem “de verdade” e o ensino que leva a esse sucesso.
Eu trabalhei com engenharia por pouco tempo, mas foi suficiente para perceber o quanto eu tinha que “correr atrás” de um conhecimento prático, e na maior parte do tempo “correndo atrás” sem nenhum treinamento adicional. É claro que um conhecimento teórico é importante e embasa a aplicação prática. Mas ao estudar sobre ensino-aprendizagem, entendi que existe uma boa distância entre teoria e prática, e que essa distância precisa ser diminuída de forma ativa e com apoio. Não é todo mundo que “corre atrás” e que consegue juntar teoria e prática com esforço próprio. O que acaba acontecendo, na minha percepção, é muita desistência, muito desânimo, muita falta de confiança, e muito menos pessoas que atingem todo o seu potencial.
Ao fazer o planejamento didático, precisamos pensar no objetivo de aprendizagem e também no “para quê” deste objetivo. Quando pensamos desta forma, saímos do hábito de planejar com base em conteúdo com tópicos e subtópicos. Quando pensamos no “para quê” aprender algum conteúdo, conseguimos imaginar aplicações práticas adequadas para nossos estudantes.
Mas você deve estar se perguntando: Como oferecer uma aplicação prática se muitas vezes não conseguimos reproduzir uma situação real de trabalho ou de vida, ou por falta de tempo, de recursos ou mesmo porque não é possível? Por isso que uma aplicação prática deve ser “adequada” ao grupo de estudantes e às condições de estudo. Primeiro apontamos o “para quê” aprender e pensamos em uma atividade possível que reproduza de alguma forma as condições de aplicação real. Podemos até “discutir” a aplicação real depois, mas nunca deveríamos ensinar conteúdo/teoria sem uma visualização da prática.
Vamos pensar em um exemplo simples no ensino de matemática, pelo qual todos nós passamos: Teorema de Pitágoras. No planejamento tradicional ensina-se a fórmula e depois os estudantes fazem exercícios. Essa é a teoria, e os exercícios são apenas uma aplicação da fórmula, e não uma aplicação prática. Mas agora e se pensarmos “para quê” aprender Pitágoras? Uma forma de explicar o “para quê” de Pitágoras é ajudando os estudantes a entenderem que a capacidade de identificar triângulos retângulos em situações cotidianas ajuda a resolver problemas práticos através da fórmula do Teorema de Pitágoras. E uma atividade possível é justamente pedir para os estudantes identificarem triângulos retângulos em situações práticas cotidianas mais ou menos simples e só depois aplicar a fórmula.
Pense no OBJETIVO FINAL
Você já passou por uma aula(s) sem entender muito bem onde todo aquele conteúdo estava indo, a não ser pelo nome do tópico? Você já ouviu todo um preâmbulo teórico ou introdução, para só no final entender porque e como todo aquele conteúdo era relevante? Isso já aconteceu muito comigo, e hoje em dia depois de estudar muito sobre ensino-aprendizagem, eu fico logo impaciente querendo saber qual é o ponto central de um curso, aula, palestra.
Quando o nosso cérebro não tem o que se chama se “organizador avançado”, ficamos sem saber onde conectar toda a informação que vai sendo recebida. Podemos acabar não conectando a nada, do tipo entra por um ouvido sai pelo outro. Ou podemos conectar outras coisas que não tem nada a ver. Por isso é fundamental dizer logo no início qual é afinal o objetivo de aprendizagem e para quê aprender. Quando eu digo objetivo de aprendizagem eu quero dizer “aprendizagem” mesmo, não tópico de estudos. Eu quero dizer aprender, por exemplo, a “interpretar a história contada pelos dados com tabelas dinâmicas em Excel”, e NÃO “aprender” sobre “tabelas dinâmicas com Excel”, porque isso é apenas um tópico.
Muitas pesquisas educacionais apontam a importância de uma “clareza” que mostra para os estudantes qual é o objetivo de aprendizagem final, de preferência com exemplos do que significa ter sucesso neste objetivo. Essa não é uma abordagem tradicional, que tende a focar no conteúdo entre de forma sequencial, para no final indicar o que “cai na prova”, ou qual é a conclusão de tudo. Mas dizer logo de cara qual é o objetivo e ainda mostrar um exemplo não “entrega o ouro”, “mata a charada”, ajuda a “copiar a resposta certa”? Na verdade um objetivo de aprendizagem bem feito é como um farol que aponta na direção certa mas exige estudo e esforço para encontrar o caminho. Um objetivo de aprendizagem bem feito deve dar sentido à todo o processo de aprendizagem, ajudando os estudantes a fazer conexões e encontrar significado nos conteúdos e nas atividades.
O segredo para um bom objetivo de aprendizagem é “fugir” do óbvio e apontar para os dilemas, princípios, conceitos, debates, pontos de vista, contidos no conteúdo que desejamos transmitir. Um exemplo clássico é no ensino de história, pelo qual todos nós também passamos. Um BOM objetivo de aprendizagem é “ser capaz de avaliar a articulação da sociedade no período histórico X para a conquista de direitos de cidadania”. Veja que esse objetivo não traz uma resposta certa ou errada. O objetivo traz um debate que demanda pensamento crítico sobre fatos históricos. Um objetivo de aprendizagem MAU calibrado seria exigir uma resposta certa, do tipo “ser capaz de identificar que movimento social Y foi a causa da revolução Y”. Este é um objetivo MAU calibrado porque induz uma resposta certa e não um raciocínio.
Por isso é totalmente possível apresentar exemplos de sucesso no BOM objetivo de aprendizagem, como neste caso do ensino de história, porque os exemplos não são respostas certas. São apenas exemplos de como o raciocínio pode ser apresentado. Eu posso dizer isso com base em experiência, vendo estudantes analisarem diversos exemplos e serem capazes de utilizar o raciocínio e não copiar respostas.
Pense no SIGNIFICADO INDIVIDUAL
Quem nunca maratonou para prova, ou partiu para a decoreba no último dia? Essa não é uma experiência de “aprendizagem” agradável e muito menos duradoura. Mas “a prova” e “as notas” sempre foram usadas como um “incentivo” para “estudar” Eu sempre achei isso muito chato e só quando fiquei mais velha descobri o prazer de aprender como uma forma de responder às minhas perguntas. Foi só quando fiz “provas” em que podia fazer consultas e pensar com mais calma, que achei a aprendizagem toda muito mais interessante.
Nos dias de hoje, pesquisas educacionais nos mostram a importância do “processo” no resultado de aprendizagem. No ensino formal isso se chama “processo formativo”, onde uma parte fundamental são as “avaliações formativas”. Ou seja, é necessário avaliar ao longo de todo o processo e não apenas no final, para oferecer aos estudantes um feedback sobre o seu percurso em direção ao objetivo final. Avaliações formativas devem ser atividades onde os estudantes podem exercitar cada um dos passos em direção ao objetivo, sem o stress de uma nota, mas com feedback que tenha significado.
Mas para que tudo isso aconteça é preciso um planejamento didático estratégico, com foco em um objetivo de aprendizagem claro e critérios claros que indiquem o sucesso neste objetivo. E também é preciso desenvolver uma nova cultura de aprendizagem, que foca no significado pessoal e na aprendizagem duradoura.
Parece muita coisa, mas não é. Comece pelo objetivo de aprendizagem claro, que permite ao estudante aplicar o seu conhecimento na prática. Só esse passo já atribui muito mais significado à aprendizagem. Depois planeje um processo de aprendizagem que permita aos estudantes oportunidades para questionar, pensar, e receber feedback. Estas oportunidades para questionar e pensar devem permitir uma “negociação de sentido”, ou seja, devem permitir aos estudantes criar um significado pessoal para a sua própria realidade e necessidades. Fazendo isso, já estamos dando enormes passos na direção de uma aprendizagem “de verdade” que é mais significativa para o estudante.
SE VOCÊ QUISER SABER MAIS…
Se você quiser entender como definir um BOM objetivo de aprendizagem que oferece clareza para embasa um planejamento didático estratégico, , eu convido a dar uma olhada no meu livro:
“CLAREZA DO PROFESSOR: (Re)Considere a sua identidade de educador(a) para uma aprendizagem ativa eficaz”.
Acesse as informações sobre o livro no LINK: https://silvanascarsoed.com/publicacoes/livro-clareza-do-professor/
Se você quiser ir mais fundo, entrando na priorização de conteúdo para apoiar um objetivo claro e aprofundar a aprendizagem, confira o eBOOK gratuito:
“6 PERGUNTAS Que Você Deve Fazer sobre o FOCO do Seu CONTEÚDO”
Como identificar O QUE É ESSENCIAL APRENDER a fim de engajar o CÉREBRO do estudante
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