A Internet é o exemplo mais acabado do excesso de informação, ou excesso de “conteúdo”, sendo um tipo de espelho da complexidade e volume de conhecimento no mundo de hoje. Em relação à esse “mar de informação, foi criado o folclore de que todo mundo consegue aprender pesquisando na web, porque tudo está disponível. Isso não é verdade. Pesquisas em neurociência cognitiva demonstram que a aprendizagem bem-sucedida envolve formas variadas de manipulação de inúmeras informações dentro de diversos contextos, apoiada em metacognição, feedback, conhecimento prévio, trocas sociais, e em algum momento orientadas por um especialista. Portanto, “aprender na web” pode significar apenas acumular uma pilha de informações desconexas, ou pior ainda, desinformação. E a mesma idéia se aplica ao volume de conteúdo na educação formal.
Este artigo pretende ajudar na reflexão sobre o impacto das nossas decisões como educadores e professores sobre o que ensinar. E para tanto, explicar o que é uma aprendizagem bem-sucedida com base em pesquisas educacionais.
O dilema do conteúdo básico versus a evolução do conhecimento:
Nos dias de hoje, educadores se deparam com uma quantidade crescente de conteúdo sem conseguir decidir no que é melhor focar. O método científico permanece, mas as novas descobertas e novos campos de atuação da Ciência não param de crescer e evoluir. Os conceitos básicos de matemática permanecem, mas contextos para aplicação da estatística por exemplo, não param de desafiar a sociedade (fake news). A História não para de acontecer, e a complexidade das relações nacionais e internacionais nos desafiam cada vez mais. A gramática permanece, mas as formas de comunicação nas mídias sociais não param de desafiar a sociedade. Novas profissões continuam evoluindo em novos conhecimentos e técnicas. O mundo não para, e o conteúdo não para.
Nos acostumamos a focar o ensino formal no conhecimento básico e cronológico, mas estamos “perdendo o pé” na sua evolução e seu impacto na sociedade. Hoje nos perguntamos: A História será estudada em toda a sua cronologia ou será estudada nas relações de poder entre nações em alguns exemplos significativos atuais e históricos? A Ciência será estudada em todo o seu conhecimento básico, ou será estudada sobre o método científico em alguns conteúdos essenciais e novas descobertas? A matemática será estudada como uma “técnica” de conteúdos simples ou como uma forma de entender e atuar no mundo? A leitura e a escrita serão estudadas como forma de ler o mundo e se comunicar ou também como forma de atuar na evolução da sociedade? O ensino das profissões também padece do dilema conhecimento básico versus contexto de aplicação ( foi na faculdade de Engenharia que eu decidi seguir a carreira em educação, por esse motivo…).
E aí eu me pergunto …. será que essa crise de confiança no conhecimento – fake news – não é um reflexo da nossa perda de noção do que está acontecendo no mundo ? Não é reflexo da superficialidade do ensino-aprendizagem versus complexidade do mundo ?
O que o nosso cérebro exige para uma aprendizagem bem-sucedida:
O desafio do ensino não é apenas relacionado à evolução dos conteúdos. O desafio também é cognitivo, como colocado no início deste artigo quando falei sobre a Internet. Mesmo no século retrasado, quando o mundo não era tão complexo, a aprendizagem era na sua maior parte superficial, baseada em muita memorização de informações. É claro que havia aprendizagem de leitura, escrita, matemática básica, e com sorte alguma internalização da cronologia histórica. Mas nos dias de hoje, essa superficialidade da aprendizagem não é mais justificada e não mais suficiente. Não é justificada porque hoje temos muito mais conhecimento científico sobre o que consiste uma aprendizagem bem-sucedida. E não mais suficiente porque o conteúdo não para de crescer e evoluir.
Hoje sabemos que o conhecimento de um especialista fica armazenado na memória de longo prazo de forma interconectada. Ou seja, cada pedaço de conteúdo faz sentido em relação aos demais, formando o que chamamos de “modelos mentais”. Assim, o especialista consegue “recuperar” conteúdo da memória e conectar com novas informações e formar conexões cada vez mais sofisticadas e aprofundadas. Em tese, isso é o que se entende por uma aprendizagem bem-sucedida.
O desafio do aprendiz novato é o seu próprio cérebro. Isso porque absorvemos conteúdo / conhecimento de forma isolada, cada pedaço no seu contexto diferente. Em termos simples, isso quer dizer que se um aluno que aprende a fazer contas com moedas e depois aprende a fazer contas no papel, não relaciona estes dois contextos a não ser que seja feito um esforço para conectá-los. Esse esforço é o ensino-aprendizagem. Não acontece automáticamente.
É claro que não vamos sempre formar especialistas em tudo, mas uma aprendizagem bem-sucedida deve gerar pelo menos uma quantidade suficiente de conteúdos interconectados, formando um pequeno modelo mental que permita interpretar situações diversas, em diversos contextos, e assimilar novas informações de forma adequada (e não fake). Para isso é necessário priorizar os conteúdos que irão servir de base para esse modelo mental, que nada mais é do que conteúdo interconectado por conceitos e habilidades.
Se transmitimos uma grande quantidade de informações, estas ficam armazenadas por pouco tempo na memória de longo prazo, justamente porque tendem a não formar conexões significativas e reforçadas no tempo. Por isso os alunos tradicionalmente estudam “de véspera” para a prova, para manter as informações por este curto espaço de tempo. Em uma aprendizagem bem-sucedida, é possível reter “conhecimento” – não apenas conteúdo – por longo tempo na memória, o que envolve a capacidade de aplicar este conhecimento em novos contextos e absorver novas informações relacionadas no futuro.