Inovar no ensino-aprendizagem seja para professores, formadores ou instituições, pode ser um grande nó do que deve acontecer primeiro: o ovo ou a galinha, a galinha ou o ovo. Considerando pesquisas educacionais e toda a minha experiência com implementação de “standards” internacionais (como a BNCC), me salta aos olhos a necessidade de começar pela priorização do que vai ser ensinado, junto com a clareza nestas escolhas. Todo o resto é importante, mas deriva deste momento inicial. A clareza de objetivos favorece a profundidade da aprendizagem, favorece a avaliação do impacto de estratégias de ensino, favorece caminhos para a motivação e engajamento cognitivo e afetivo dos alunos.
Mas o que isso quer dizer exatamente? Primeiro significa que não é possível ensinar com profundidade todas competências e habilidades propostas. Uma educação inovadora precisa de uma aprendizagem que permanece no tempo, portanto aprofundada. Para isso precisamos selecionar competências e habilidades (ou diretrizes) que são mais impactantes no longo prazo e mais importantes como etapas da aprendizagem. O restante pode sim ser mencionado e discutido como auxiliares, mas não avaliado ou aprofundado. Isso já traz um alívio à loucura que costuma ser a necessidade de cobertura de currículo e/ou conteúdo.
Em segundo lugar, só é possível promover a autonomia dos alunos se eles sabem onde estão indo com a sua aprendizagem. Portanto, aquelas competências e habilidades prioritárias precisam se transformar em objetivos de aprendizagem claros, escritos na linguagem dos alunos, acompanhados de critérios e exemplos do que significa ter sucesso. A partir deste ponto é possível então implementar e avaliar estratégias de ensino, considerando seu impacto na aprendizagem de objetivos específicos. Antes desta clareza, a implementação de inúmeras metodologias ditas ativas corre o risco de ser mais cosmética do que eficaz.
Vamos então dar uma olhada em cada etapa deste processo de priorização e clareza:
Prioridades
As prioridades que irão definir o currículo devem ser organizadas/elaboradas pela instituição. No entanto, a colaboração com os professores é fundamental nesse processo, para que haja compreensão e comprometimento. Como professor(a), eu acho que vale a pena fazer uma pausa para refletir sobre o que o(a) motivou a ensinar, visualizando o tipo de aluno que gostaria de ver como resultado. Como instituição, vale a pena promover essa reflexão e envolver os professores na discussão.
Eu aposto todas as minhas fichas que o desejo para os alunos vai muito além de algumas habilidades específicas. Conversando com professores, eu posso ouvir em suas falas o que importa: desenvolver escritores que impactam; desenvolver observadores curiosos da natureza; desenvolver apreciação crítica pela arte; formar indivíduos capazes de identificar a matemática no cotidiano e fazer escolhas para resolver problemas, e por aí vai. Essa reflexão também precisa envolver uma honestidade sobre o que os alunos(as) realmente precisam para chegar lá.
Clareza de Linguagem
Com senso de prioridade mudamos nossa linguagem, reforçamos o objetivo final para os alunos e aprofundamos no que importa. A partir daí é mais fácil tornar os alunos mais parceiros no processo de aprendizagem.
O exercício de identificar prioridades ajuda portanto a gerar uma linguagem explícita para construir objetivos de aprendizagem claros e significativos para os alunos.Quando tudo é importante, nossa tendência é pular de uma idéia para outra sem cobrir todos os passos necessários a um aprendiz. Quando priorizamos, encontramos uma linha mestra que guia nosso discurso e conecta cada pedaço de nossas frases e ações.
No livro “Creating Cultures of Thinking”, Ron Ritchhart enfatiza a importância da linguagem para desenvolver uma cultura de aprendizagem, onde o aluno aprende os passos do pensar cada área específica, utilizando palavras que os direcionam para ações cognitivas. Se você usa a palavra “pensar” ou “compreender” com seus alunos, será que eles imaginam a mesma coisa que você? Pensar ou compreender, por exemplo, envolve muitos “movimentos” diferentes. Quanto mais você utiliza verbos de ação para descrever a aprendizagem esperada, mais seus alunos aprendem sobre como aprender aquele tópico.
Especialistas em uma área do conhecimento geralmente “esquecem” o seu processo de aprender e fazem conexões implícitas ou inconscientes. Vale a pena fazer um mapa mental dos “movimentos” mentais implícito e nomeá-los para que seus alunos aprendam a pensar com você! Esses verbos de ação específicos, chamados de demanda cognitiva, serão fundamentais na construção dos objetivos de aprendizagem.
Clareza de Objetivos
Veja então os elementos para construir objetivos de aprendizagem que possam ser “vivos” dentro da sala de aula, guiando o ensino, a avaliação e a aprendizagem:
Foco:
Um objetivo de aprendizagem precisa de foco, traduzindo a sua prioridade como professor(a). Com reformas de tipo BNCC, aposto que você consegue encontrar a sua prioridade descrita de alguma forma. O ato de escrever e compartilhar esse objetivo dá clareza ao professor(a) e como consequência, dá clareza aos alunos. O objetivo de aprendizagem escrito é um lembrete para professor(a) e alunos(as) do que é importante, e qual caminho seguir. E nesse processo as palavras importam, e muito.
Verbo de ação + conteúdo:
Parte fundamental da linguagem no objetivo de aprendizagem é o verbo de ação descrito anteriormente. Qual a demanda cognitiva do verbo de ação? O aluno(a) está sendo chamado apenas a “lembrar” ou está sendo chamado a níveis mais altos do pensamento como “análise”? Já os “substantivos” utilizados para acompanhar esta ação descrevem o conteúdo e o contexto da aprendizagem. Será possível cobrir todo o conteúdo proposto sem prejudicar a eficácia da aprendizagem? Quanto mais focado o escopo do objetivo, mais claro ele será para guiar a aprendizagem.
“Para que”:
Um elemento que eu considero fundamental em um objetivo de aprendizagem é o “para que”. Que mensagem você passaria aos seus alunos, de forma concisa, para encorajá-los a atingir o objetivo de longo prazo que você priorizou? Pois bem, use essa mensagem na forma de “para que”, e tenha esse propósito sempre em mente. Pessoalmente eu recomendo este tipo de construção, baseada no movimento “competency-based learning”, porque justifica o seu propósito.
Linguagem do aluno(a):
Por fim, mexa, remexa e edite o seu objetivo de aprendizagem para que tenha uma linguagem acessível aos seus alunos. Um objetivo de aprendizagem VIVO, é compreendido, visível e utilizado pelos alunos para guiar sua própria aprendizagem.
Exemplo:
Vamos pegar como exemplo o Teorema de Pitágoras e supor objetivos de aprendizagem diferentes da tradicional resolução de problemas. Estes objetivos foram escritos com base no texto das competências e habilidades da BNCC:
Eu demonstro as relações métricas no Teorema de Pitágoras a fim de argumentar a favor da matemática como ferramenta para compreender e atuar no mundo.
Eu elaboro problemas de aplicação do Teorema de Pitágoras a fim de reconhecer o seu alcance para compreender e atuar no mundo.
Você percebeu a diferença nos verbos de ação? E o “a fim de” como justificativa? Imagine como as atividades e discussões geradas por estes objetivos seriam bem diferentes do tradicional, permitindo trabalhar o engajamento cognitivo e porque não afetivo dos alunos.