Se você pegasse o elevador com um estudante, acha que conseguiria explicar o seu objetivo de aprendizagem antes que um de vocês descesse em outro andar? Você acha que sua explicação seria concisa e convincente, deixando o seu estudante curioso(a) e antecipando o que iria ser aprendido?
A ideia de um “discurso de elevador” é muito usada para pitches de empreendedores, mas é também um exercício muito útil para testar se sabemos com clareza o que queremos que os estudantes aprendam. E mais que isso: se sabemos comunicar esse objetivo com clareza para orientar maior autonomia no processo de aprendizagem.
Tema ou Aprendizagem?
Para convencer um estudante no percurso de um elevador, você falaria sobre o tema da unidade de estudo ou sobre a “aprendizagem” que vai acontecer na unidade de estudo? Mas qual é a diferença, você pode perguntar? A diferença requer um olhar para o que está “implícito” no tema que ensinamos.
Vamos supor que você ensina educação financeira. O que você diria ao estudante? No meu curso você vai aprender tudo sobre educação financeira! “Educação financeira” é o seu tema, mas não é o objetivo central da aprendizagem. Só você, como especialista no assunto, vai poder externar o real objetivo de aprendizagem, ou o objetivo(s) de aprendizagem que faz toda a diferença.
Digamos então que na sua visão de especialista, depois de refletir um pouco, você chega à conclusão que uma aprendizagem essencial envolve controlar despesas através previsões de gasto, pesquisa de preços, reserva de emergência e opções mais econômicas. Mas como isso poderia se traduzir, no discurso de elevador, em uma linguagem que pode gerar curiosidade e uma âncora para o cérebro do estudante aprender?
DISCURSO DE ELEVADOR – OBJETIVO DE APRENDIZAGEM:
“No meu curso você vai ser capaz de aplicar estratégias para manter os seus gastos dentro do orçamento enquanto satisfaz necessidades e desejos ao longo do tempo”.
(Nota: não sou especialista em finanças, este é apenas um exemplo ilustrativo)
Esse é o formato formal de um objetivo de aprendizagem ancorado em um verbo de ação, na linguagem do estudante!!
Desafio ou Conteúdo?
O seu discurso de elevador para um estudante sobre o curso ou unidade de estudo cobriria o conteúdo ou seria sobre um desafio? Seria um desafio possível, desejável, apropriado? Como saber? E porque propor um desafio e não resumir o conteúdo?
Para que o cérebro realmente aprenda de forma eficaz, duradoura e significativa, é necessário propor um desafio “cognitivo”, que envolve um SABER FAZER algo com o conteúdo. Portanto, o cérebro tem que se “esforçar” para aprender de forma ATIVA. O desafio pode ser apresentado em diferentes níveis, dependendo do grupo de estudantes e do tempo disponível par a a aprendizagem. E este desafio é SEMPRE apresentado ao estudante com um VERBO DE AÇÃO. Utilizando o exemplo da minha postagem anterior, podemos pensar em diferentes níveis de desafio:
DISCURSO DE ELEVADOR – OBJETIVO DE APRENDIZAGEM:
Nível Aplicação:
“No meu curso você vai ser capaz de APLICAR estratégias para manter os seus gastos dentro do orçamento enquanto satisfaz necessidades e desejos de forma escalonada no tempo”.
Nível Avaliação:
“No meu curso você vai ser capaz de JULGAR diferentes decisões para manter os gastos dentro do orçamento equilibrando necessidades e desejos de forma escalonada no tempo”.
Qual seria o seu nível de desafio para o estudante no seu discurso de elevador? Para sugestões de verbos de ação em diferentes níveis pesquise a Taxonomia de Bloom! Ou se quiser saber mais sobre o assunto, confira o meu livro CLAREZA DO PROFESSOR, clicando neste LINK https://silvanascarsoed.com/publicacoes/livro-clareza-do-professor/
FOCO para a fala de professor(a)
Ter foco para ensinar não costuma aparecer como um critério importante das metodologias ditas ativas. Muitas vezes a necessidade de um objetivo de aprendizagem claro é mencionado mas não detalhado, ou aprofundado. Por outro lado, uma resistência ao foco para ensinar pode aparecer devido à incompreensão sobre o impacto esperado na aprendizagem. Talvez por tudo isso, o objetivo de aprendizagem não costuma ser um tópico desenvolvido como deveria, e os(as) alunos(as) acabam perdendo oportunidades de ganhos de aprendizagem.
Vamos pensar na fala do(a) professor(a) em sala de aula utilizando o conceito de “flow”. O(a) professor(a) pode se sentir em um estado de “flow” (Csikszentmihalyi, Teoria do Estado de Fluxo) quando tem a sensação de que sua explicação foi bem encadeada, que deu conta de um conteúdo complexo, e que os(as) alunos(as) pareciam atentos. Mas a questão é a seguinte: os(as) alunos(as) compartilharam esse mesmo estado de flow? Ou seja, os(as) alunos(as) compartilharam da sensação de dar conta de um conteúdo complexo, sentindo uma certa euforia e prazer por ter atingido sucesso em um desafio?
Porque estou falando de “flow” quando o meu assunto na verdade é foco no ensino através de um objetivo de aprendizagem? Tem tudo a ver, porque o estado de flow que desejamos para os(as) alunos(as) é muito mais provável quando estes(as) sabem qual o objetivo final e percebem o seu progresso em direção ao sucesso neste objetivo. Quando um(a) professor(a) especialista discorre sobre um conteúdo complexo, as diferentes partes do conteúdo se conectam com clareza em sua cabeça. Assim, existe uma grande probabilidade que o(a) professor(a) “pule” algum passo ou conexão, justamente porque todas as conexões parecem óbvias do seu ponto de vista. Ou pode ser que o(a) professor(a) “acrescente” muitas informações que são interessantes mas não diretamente conectadas ao objetivo principal. Portanto para os(as) alunos(as), o fluxo da explicação pode deixar muitas lacunas ou se movimentar em diversas direções, dificultando a conexão das diversas partes. Isso acontece porque o cérebro humano não absorve novos conhecimentos em uma tacada só, e com certeza não absorve conexões entre as partes desta forma.
Bons professores ou palestrantes, engajam pela sua capacidade de explicar, isso é fato. Mas a pergunta que devemos nos fazer como educadores é a seguinte: qual o real impacto da aula expositiva na aprendizagem dos(as) alunos(as)? Os(as) alunos(as) conseguem demonstrar que sabem aplicar o novo conhecimento, principalmente em novos contextos? Ou existe um fator de motivação, maior do que um fator de aprendizagem de fato?
O foco do ensino através de um objetivo de aprendizagem ajuda os(as) alunos(as) a fazerem conexões entre diversas informações e ideias, porque estas conexões são balizadas pelo objetivo. Quando não existe um foco claro, o cérebro dos(as) alunos(as) pode ter dificuldade em estabelecer as conexões fundamentais para o sucesso. Portanto o foco no ensino é fundamental para uma aprendizagem bem-sucedida. O(a) professor(a) ainda pode se sentir em um estado de “flow” mas tendo o cuidado de fazer conexões explícitas do conteúdo com o objetivo final – e fazer pausas para que os(as) alunos(as) possam estabelecer estas conexões de forma ativa.
Sendo assim, escrever um objetivo de aprendizagem com certa precisão não significa ficar preso(a) em um quadrado durante a aula. Sendo bem escrito, um objetivo de aprendizagem orienta uma reflexão contínua sobre “como” e “para que” estamos ensinando e orienta os estudantes aprendendo sobre “como” e “para que” estão aprendendo. Este objetivo de aprendizagem deve ser visível durante a unidade de estudo e descrito nas avaliações, servindo como um lembrete para corrigir o curso da aprendizagem. Ele deve sempre apontar o que é importante.
Conexões e sentido no cérebro
O nosso interesse deve ser sempre: o que pode estar se passando na cabeça dos(as) alunos(as)? Imagine que o(a) professor(a) planejou uma sequência de aulas para explicar um evento histórico. Cada aula cobre um aspecto deste evento histórico: questões econômicas, políticas, sociais, personagens significativos, etc (ou qualquer outra divisão por subtópicos). E durante cada aula, o(a) professor(a) menciona outras questões interessantes, até para responder a curiosidade de alguns alunos(as).
Na cabeça do(a) aluno(a) as informações vão se empilhando, não necessariamente de forma a conectar cada uma das partes. O cérebro tenta entender sobre o que é a narrativa do evento histórico. É um relato sobre o que aconteceu para que o cérebro possa sozinho fazer conexões com outros eventos históricos? Qual é uma ideia essencial dentro de toda a sequência e confluência de eventos?
Quando o(a) professor(a) define um objetivo de aprendizagem claro e comunica este objetivo aos alunos(as), a fala do(a) professor(a) tende a mostrar conexões mais explícitas com esse objetivo. Dessa forma os(as) alunos(as) ouvem conexões que ajudam o cérebro a armazenar informações de forma mais organizada e significativa. Digamos que o objetivo de aprendizagem sobre este evento histórico é o seguinte:
OBJETIVO DE APRENDIZAGEM: Eu consigo relacionar as pressões dos movimentos sociais pela cidadania com a transição para a democracia no evento X.
Neste objetivo de aprendizagem existe um foco muito específico relativo ao impacto dos movimentos sociais na transição para a democracia. Esse foco é muito diferente de narrar todos os eventos, entre eles os movimentos sociais, de forma mais ou menos cronológica ou em subtópicos. Com um objetivo de aprendizagem deste tipo, cada subtópico é narrado ou explicado EM RELAÇÃO ao objetivo. As explicações e atividades adquirem um significado no cérebro dos(as) alunos(as), que é o impacto dos movimentos sociais. O objetivo de aprendizagem se torna um guia para organizar as informações no cérebro, e mais do que isso, o objetivo de aprendizagem cria um modelo mental de como movimentos sociais interagem com questões políticas, econômicas, eventos e personagens históricos.
Prioridade compartilhada
Como professor(a), eu acho que vale a pena fazer uma pausa para refletir sobre o que o(a) motivou a ensinar, visualizando o tipo de aluno que você gostaria de ver como resultado. Como instituição, vale a pena promover essa reflexão e envolver os professores na discussão. Eu aposto todas as minhas fichas que o desejo para os alunos vai muito além de algumas habilidades específicas. Conversando com professores, eu posso ouvir em suas falas o que importa: desenvolver escritores que impactam; desenvolver observadores curiosos da natureza; desenvolver apreciação crítica pela arte; formar indivíduos capazes de identificar a matemática no cotidiano e fazer escolhas para resolver problemas, e por aí vai…
Essa reflexão também precisa envolver uma honestidade sobre o que os alunos(as) realmente precisam para chegar lá. Com este senso de prioridade mudamos nossa linguagem, reforçamos o objetivo de aprendizagem final, aprofundamos nosso ensino no que importa. A partir daí os alunos se tornam mais parceiros no processo de aprendizagem.
Sendo assim, o foco em um objetivo de aprendizagem não tira a liberdade – e prazer – de ensinar todo o conteúdo. Apenas orienta o que é prioritário e o que é auxiliar. Mas como fazer essa diferença? O conteúdo prioritário é aquele que ajuda a resolver o objetivo de aprendizagem. Por esse motivo é um conteúdo que ocupa a maior parte do tempo de ensino. Por ser diretamente ligado ao objetivo de aprendizagem, o conteúdo prioritário é avaliado no final da unidade de estudo como uma avaliação somativa, e faz parte também de toda avaliação formativa durante o processo. É um conteúdo que o(a) professor(a) pensou como sendo de valor para ajudar os(as) alunos(as) a atingirem uma compreensão duradoura.
Já o conteúdo auxiliar pode sim ser ensinado e discutido, mas ocupando menos tempo de ensino e sem ser parte das avaliações. O conteúdo auxiliar também deve ser colocado dentro de um discurso que faz conexões entre este conteúdo auxiliar, o conteúdo prioritário e o objetivo de aprendizagem.
O conteúdo disponível para ser ensinado cresce cada vez mais em todas as áreas de conhecimento. Ganhos de aprendizagem, segundo pesquisas educacionais, acontecem quando nos aprofundamos em um conteúdo associado a uma habilidade específica que tem um valor relevante na área de conhecimento – e tem utilidade em outras áreas e em estudos futuros. Portanto é preciso fazer escolhas.
Quando tudo é importante, nossa tendência é pular de uma idéia para outra sem cobrir todos os passos necessários a um aprendiz. Quando priorizamos, encontramos uma linha mestra que guia nosso discurso e conecta cada pedaço de nossas frases e ações.
O fato é que muitas vezes acabamos falando demais em sala de aula, na ânsia de explicar, esclarecer, cobrir todas as arestas. É possível ver isso claramente quando gravamos nossa fala e nos ouvimos. Só daí percebemos que do ponto de vista do ouvinte / aluno(a), a coisa ficou um pouco confusa.
No livro “Creating Cultures of Thinking”, Ron Ritchhart enfatiza a importância da linguagem para desenvolver uma cultura de aprendizagem, onde o aluno aprende os passos do pensar cada área específica, utilizando palavras que os direcionam para ações cognitivas.
Escrever um objetivo de aprendizagem para uma unidade de estudo significa transmitir a sua prioridade aos alunos, torná-la visível e ajudar seus alunos a alcançá-la. O ato de escrever e compartilhar esse objetivo não torna o ensino-aprendizagem uma caixinha limitada. Pelo contrário, o ato de refletir e escrever um objetivo de aprendizagem é um exercício cognitivo que dá clareza ao professor(a) e como consequência, dá clareza aos alunos. Escrever um objetivo de aprendizagem envolve uma linguagem específica que vai ajudar os alunos no processo de aprender.
Vamos sempre lembrar que quando tudo é importante, principalmente do ponto de vista dos alunos, pouco é aprofundado ou realmente aprendido no longo prazo. O objetivo de aprendizagem escrito é um lembrete para professor(a) e alunos(as) do que é importante, e qual caminho seguir. E nesse processo as palavras importam, e muito.
Um objetivo de aprendizagem tem que traduzir a sua prioridade como professor(a) para que tenha vida na sala de aula. E com todas as reformas de parâmetros curriculares tipo BNCC, aposto que você consegue encontrar a sua prioridade descrita de alguma forma. Isso desde que você esteja pensando no longo prazo para os alunos(as).
Se você quiser saber mais sobre priorização de conteúdo, veja o meu livro CLAREZA DO PROFESSOR (leia tudo sobre o conteúdo do livro na página de lançamento https://silvanascarsoed.com/publicacoes/livro-clareza-do-professor/).
Para Quê na Linguagem do Estudante
Que mensagem você passaria aos seus alunos, de forma concisa, para encorajá-los a atingir o objetivo de longo prazo que você priorizou? Pois bem, use essa mensagem como o “para que”, e tenha esse propósito sempre em mente.
Depois preste atenção no “verbo” de ação que você irá usar: que tipo de aprendizagem esta chamada à ação favorece ? Qual a demanda cognitiva, ou seja, é só para lembrar ou para engajar níveis mais altos do pensamento ? Então verifique os “substantivos” que você está usando: será que está pedindo demais, será que vai conseguir cobrir tudo isso? Quanto mais focado o escopo do objetivo, mais claro ele será para guiar a aprendizagem.
Por fim, mexa, remexa e edite o seu objetivo de aprendizagem para que tenha uma linguagem acessível aos seus alunos. Um Objetivo de aprendizagem VIVO, é compreendido, visível e utilizado pelos alunos para guiar sua própria aprendizagem.
Vamos pegar como exemplo uma discussão que vi outro dia no Linkedin sobre a importância de aprender o Teorema de Pitágoras “ao contrário do que pensa Felipe Neto”.Sem concordar com Felipe Neto, aposto que você aprendeu Pitágoras sem pensar em como iria utilizá-lo, mas aprendeu porque é considerado importante. Vamos supor então outros cenários, em que Pitágoras é colocado no contexto de objetivos de aprendizagem diferentes da tradicional resolução de problemas, mas ainda assim baseados nas atuais competências e habilidades da BNCC:
OBJETIVO DE APRENDIZAGEM 1:
Eu demonstro as relações métricas no Teorema de Pitágoras A FIM DE ARGUMENTAR A FAVOR DA MATEMÁTICA como ferramenta para compreender e atuar no mundo.
OBJETIVO DE APRENDIZAGEM 2:
Eu elaboro problemas de aplicação do Teorema de Pitágoras A FIM DE RECONHECER O SEU ALCANCE para compreender e atuar no mundo.
Você percebeu a diferença nos verbos de ação? Estes demandam atividades bem diferentes do tradicional, que ficam esclarecidas pelo “a fim de”. Pessoalmente eu recomendo este tipo de construção de um objetivo de aprendizagem porque justifica o seu propósito. Essa construção é baseada no movimento “competency-based learning”.